Mulheres aprendem muito cedo a conviver com o assédio. Uma pesquisa feita pela organização internacional Action Aid, divulgada em janeiro do ano passado, mostrou que 78% das garotas brasileiras, de 14 a 21 anos, haviam sido assediadas nos últimos seis meses. E mais da metade das meninas ouvidas durante o levantamento (53%) convivem diariamente com medo do assédio.
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Sim, medo. O assédio que, para o deputado estadual catarinense Jessé Lopes (PSL) “massageia o ego” e é um “direito” das mulheres, segundo postagem polêmica feita por ele no último fim de semana, é motivo de pânico entre garotas de todas as idades.
Não há exagero nessa afirmação. Para um homem, creio que seja difícil compreender a sensação de ser “assediada em frente a uma construção civil”, como exemplificou o deputado, ou alvo de cantadas maliciosas ao caminhar pelas ruas. A maioria das mulheres sente o mesmo: medo. E como não sentiriam, se estamos num país que registra 180 casos de estupro por dia?
Objetificação do corpo feminino
Lembro que eu tinha 12 anos na primeira vez em que uma amiga me contou, em segredo, que um homem havia passado a mão em suas partes íntimas quando ela caminhava para a escola. Tínhamos a mesma idade.
Ela não havia tido coragem de contar aos pais o que aconteceu. Até hoje, não sei se contou. O machismo arraigado leva as mulheres a sentirem culpa e vergonha quando são vítimas de uma violência como essa.
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Ocorre que o assédio é a expressão mais corriqueira da objetificação do corpo da mulher. Um corpo para ser observado, desejado, cobiçado. Como um pedaço de carne em um açougue, exposto e disponível.
Não há confusão entre assédio e paquera, como sugere o deputado. A diferença é clara e simples, e está no constrangimento a que a vítima é submetida. Constrangeu? Não é flerte, é assédio.
Deputado desvirtua movimento
O objetivo de movimentos como o ‘Não é Não!’ é ajudar as mulheres a definirem seus próprios limites. Ao usar de uma causa tão sensível para atacar o feminismo, que ele abomina, o deputado mostra que não compreende uma coisa nem outra. Nem mulheres, nem o movimento feminista.
Jessé Lopes tem todo o direito de discordar das pautas encampadas pelo feminismo. Mas um parlamentar, representante do povo e pago com o dinheiro que sai dos nossos impostos, não pode usar suas crenças pessoais para desvirtuar uma batalha contra atitudes que desrespeitam a mulher. E mais: que, hoje, são tipificadas como crime no Brasil.
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Há cerca de um ano, a Assembleia Legislativa de Santa Catarina era notícia nacional porque o decote usado pela deputada Paulinha (PDT) suscitou uma série de ataques e comentários ofensivos nas redes sociais. Inclusive ameaça de estupro. O caso, simbólico, terminou com um acordo judicial em que os ofensores foram obrigados a fazer um pedido público de desculpas.
Mais uma vez, mulheres e assédio começam o ano, forçosamente, na pauta da Assembleia Legislativa.