Uma fala da coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, sobre Balneário Camboriú, tem dado o que falar. Em entrevista ao vodcast Dois Pontos, do Estadão, ela afirmou que a profusão de arranha-céus à beira-mar na cidade, onde estão oito dos 10 maiores prédios residenciais da América do Sul, representa a “negação climática”.
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Suely Araújo falava sobre a necessidade de gestão dos municípios pra enfrentar a emergência climática, em especial nas cidades costeiras, diante do avanço do nível do mar.
“Teríamos que cuidar de afastar o potencial construtivo da linha de costa e fazemos o contrário. Lá em (Balneário) Camboriú, vocês já viram as fotos daqueles edifícios? Aquilo é um absurdo, é uma negação climática”, afirmou.
Balneário já vinha sofrendo nas últimas décadas com a erosão da faixa de areia, provocada pelo avanço do mar. Foi o que motivou o alargamento da Praia Central, concluído em 2021, que inspirou muitas outras obras semelhantes pelo país.
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O projeto não se limitou a engordar a praia, afastando a linha d´água da Avenida Atlântica: o alargamento incluiu a ampliação do molhe Norte e o plantio de restinga, que esta em fase de adaptação – a praia não possuía há décadas a vegetação costeira, que é uma proteção natural contra a erosão.
O modelo de ocupação da beira-mar, de fato, é sui generis em Balneário Camboriú – resultado de um plano diretor permissivo e de um mercado imobiliário pujante. A ocupação da orla por grandes edifícios, no entanto, está longe de ser uma novidade.
O mar de arranha-céus de Balneário Camboriú:
Há pelo menos 40 anos a construção civil de Balneário Camboriú aposta em prédios cada vez mais altos. O pioneiro foi o edifício Imperatriz, construído na década de 1970 com 30 andares e vendido como um dos maiores prédios do Brasil na época. Embora a cidade já estivesse em processo de verticalização, o Imperatriz conseguiu se manter longos anos no topo. Mais tarde, seria superado – e muito – pela onda de arranha-céus recordistas.
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Via de regra, a orientação dos urbanistas é que as cidades escalonem o número de andares conforme as quadras se distanciam do mar – o que reduz problemas como a sombra na praia, que também afeta a restinga, e traz impactos à ventilação. Balneário Camboriú segue uma lógica diferente.
Em 2020, uma pesquisa inédita no Sul do país, conduzida pelo pós-doutor em Geografia Física, professor Cássio Arthur Wollmann, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, mostrou que o paredão de arranha-céus impacta até no clima da cidade, com variação da temperatura e da incidência de ventos.
Na época, a cidade foi escolhida para o estado porque a verticalização se concentra em um espaço limitado. Wollmann avaliou que o processo de verticalização da cidade seja o maior em curso no Hemisfério Sul.
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Balneário Camboriú é uma cidade que funciona à sua maneira. Com instrumentos de outorga, alargou a possibilidade de se investir nas superconstruções. Criou um nicho de mercado e tem demanda, com o metro quadrado médio mais alto do país. Nem por isso, sua ocupação sui generis é um exemplo a ser seguido. Separar as duas coisas é importante para entender que, mesmo sendo um sucesso, o modelo de Balneário não é recomendável para qualquer lugar.
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Mais do que olhar para a orla consolidada com o paredão de arranha-céus, que são sua marca registrada, vale a pena observar outras cidades no entorno que vão pelo mesmo caminho, e onde a verticalização é bem mais recente – e portando passível de regras mais adaptadas ao momento. É possível aliar o pujante mercado imobiliário aos cuidados que a emergência climática impõe. O primeiro passo é reconhecer que ela existe.