Lançada em Manaus (AM) pelo ministro Eduardo Pazuello, no dia 13 de janeiro, a plataforma TrateCov, do Ministério da Saúde, receita ‘tratamento precoce’ com cloroquina, ivermectina e antibióticos para qualquer paciente que relatar sintomas semelhantes aos do coronavírus. O que inclui sinais tão triviais como dor de cabeça e diarreia – e independe da idade.
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A descoberta foi feita por jornalistas que usaram a plataforma para simular a ‘consulta’ por diferentes perfis de pacientes. O aplicativo ‘receitou’ o kit-Covid até mesmo para bebês recém-nascidos. O TrateCov, que está inserido na plataforma Redcap do Ministério da Saúde, ficou instável nesta quarta-feira (20).
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Tb fiz minha simulação no app TrateCov, do Ministério da Saúde. Afirmei ter ido ao supermercado 2x e ñ ter comorbidades. Sintomas: fadiga e dor de cabeça há 1 dia. Sai com uma receita q inclui 2 antibióticos. É inacreditável. pic.twitter.com/bso3ELYEfB
— Mariana Varella (@marivarella) January 20, 2021Continua depois da publicidade
Bicho, eu acabei de colocar no aplicativo TrateCov que meu paciente é um recém nascido de uma semana que tem dor de barriga e nariz escorrendo. O aplicativo recomendou cloroquina, ivermectina, azitromicina e tudo o mais. Crime, crime, crime, crime
— Rodrigo Menegat (@RodrigoMenegat) January 20, 2021
O TrateCov foi anunciado pelo ministro Pazuello como uma ferramenta para agilizar o atendimento de pacientes. Embora a prescrição só possa ser feita oficialmente pelo médico, o modelo permite que qualquer cidadão faça uma autoconsulta, em que relata os sintomas e recebe uma receita prévia – que, invariavelmente, recomenda o ‘tratamento precoce’.
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Isso ocorre porque a programação da plataforma foi feita para repetir o receituário. As simulações mostraram que a recomendação foi a mesma para ‘pacientes’ com vários tipos de queixas, de fadiga a dor de cabeça, de diarreia a dor na nuca.
De acordo com os testes feitos, o que muda, basicamente, é a quantidade de medicamentos receitada de acordo com o peso de quem simula a receita. Médicos ouvidos pela coluna alertam para o risco de que esse tipo de medida provoque uma corrida por remédios desnecessários, que não têm eficácia comprovada contra a Covid-19, e ainda podem piorar o estado de saúde dos pacientes. É o caso da cloroquina, por exemplo, que pode agravar quadros de arritmia cardíaca.
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Especialistas também apontaram que o aplicativo do Ministério da Saúde aumenta a pressão de uma parte dos pacientes para que recebem a prescrição dos remédios:
– A pessoa não pode ir à farmácia e comprar o medicamento, mas o aplicativo induz a pedir a receita ao médico, exigindo inclusive as dosagens. Isso leva a uma pressão sobre o profissional e estimula a automedicação, que é algo que estamos combatendo há tanto tempo no Brasil – diz Ronaldo Zonta, membro da Associação Catarinense de Medicina da Família.
Tratamento precoce
O ‘tratamento precoce’ receitado pelo aplicativo entrou no centro da polêmica depois que foi recomendado e incentivado pelo governo federal como solução para a explosão de casos de Covid-19 em Manaus. Uma equipe de médicos chegou a fazer peregrinação em postos de saúde para estimular o uso do protocolo.
Dias depois, pessoas morreram no Amazonas por falta de suprimento de oxigênio, fundamental para o suporte de vida de pacientes graves. O governo optou por priorizar o tratamento com remédios, ao invés da logística de insumos.
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Diante da repercussão, o ministro passou a dizer que não incentivou o tratamento precoce – mas foi desmentido pelo registro de suas próprias afirmações anteriores. Vale ressaltar que o protocolo com cloroquina, ivermectina e outros medicamentos não tem respaldo científico.
O Ministério da Saúde ainda não se pronunciou sobre o aplicativo, e por que ele está com instabilidade.
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