O Ministério Público de Santa Catarina acionou a Justiça com pedido de liminar para suspender um serviço de recolhimento de pessoas em situação de rua em Balneário Camboriú, denominado “Clínica Social”. A ação afirma que o local coleciona irregularidades, como conduções involuntárias pela Guarda Municipal – inclusive com uso de algemas – e surtos forçados por abstinência entre usuários de drogas, para justificar internações compulsórias. Para o MPSC, o local estaria servindo para “limpeza social”.

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“A atuação das pastas de Segurança Pública e Desenvolvimento e Inclusão Social tem se dado por meio de ofensa frontal aos direitos fundamentais das pessoas em situação de rua, com a condução forçada a espaço criado para fomentar crises de abstinência e surtos psicóticos, com o fim de promover uma espécie de “limpeza urbana” – diz o promotor de Justiça Álvaro Pereira Oliveira Melo, da 6ª Promotoria de Justiça de Balneário Camboriú.

A investigação ouviu servidores envolvidos nas abordagens, reuniu entrevistas à imprensa do secretário de Segurança, Gabriel Castanheira, e da secretária de Inclusão Social, Christina Barrichello, avaliação técnica do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos do MPSC, e contou com denúncias de servidores do CAPs, que relataram desvio de função de profissionais e até utilização indevida de medicação controlada na Clínica Social.

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De acordo com os relatos obtidos pelo MPSC, as pessoas recolhidas passam a noite escoltadas por guardas armados, são obrigadas a ouvir palestras dos agentes de segurança pública e avaliadas por um médico que não tem formação adequada – é um ortopedista.

“A clínica funciona na madrugada pois é o período em que o uso de drogas se potencializa, proporcionando quadros de surtos por abstinência, diante da obrigatoriedade de permanência na Clínica Social pelos usuários abordados, o que facilitaria a “avaliação médica” para internações compulsórias, em conduta que pode caracterizar o crime de cárcere privado e tortura” – relata o promotor.

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Na ação, o MPSC argumenta que a abordagem feita direta e ostensivamente pela Guarda Municipal, como tem sido praticado no projeto da Clínica Social, é inconstitucional. O serviço de abordagem das pessoas em situação de rua, segundo o Ministério Público, exige a presença de profissionais capacitados, como assistentes sociais e agentes de saúde. As forças de segurança atuam somente como apoio, em caso de necessidade.

“A mera situação de rua não serve como indicativo do uso e dependência química de entorpecentes que justifique qualquer medida compulsória, sem o devido acompanhamento ambulatorial com o esgotamento da instância, e sem qualquer embasamento prévio que não apenas o estigma social. Nesse cenário, a atuação ostensiva das equipes de segurança pública, em absoluto extrapolamento de função, visto que tal abordagem deveria ocorrer por assistentes sociais e profissionais de saúde devidamente capacitados”, diz o promotor.

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O promotor diz que o município dispõe de estrutura regular para encaminhamento de usuários de drogas, como CAPS AD, Casa de Passagem, CRAs e CREAs, e que “não há razão, nesse cenário, para a implementação de uma Clínica Social cujo funcionamento se dá em horário totalmente inapropriado, em que os demais equipamentos não estão disponíveis para eventuais encaminhamentos e continuidade de acompanhamentos”.

Na ação, o MPSC diz que cabe à cidade lidar com mazelas sociais e de saúde pública, como a população de rua e a drogadição:

“A estratégia de limpeza social delineada, divulgada, e amplificada pela “instagramabilidade” do estilo de vida ostentado em Balneário Camboriú, é reforçada pelo fato de que o Município está de portas abertas para todo o Brasil, quiçá o mundo, menos para determinados grupos que possam manchar o cartão postal da cidade. Isso significa dizer que, apesar de ser um problema comum em todo o mundo, a pessoa em situação de rua nesta urbe é automaticamente classificada como usuária de drogas e delinquente (prática de crimes), devendo sofrer com o despreparo de um poder público que não tem a mínima noção dos limites legais de atuação. Qualquer cidade do Brasil e do mundo, turística ou não, tem o dever de lidar com as mazelas sociais e de saúde pública de forma igualitária, mediante a garantia dos direitos fundamentais”.

O MPSC pede, em caráter liminar, que a Justiça proíba a prefeitura de Balneário Camboriú de usar a Guarda Municipal Armada para abordagens sociais às pessoas em situação de rua, proíba a condução coercitiva de pessoas em situação de rua, desative a Clínica Social, imediata adequação da abordagem social por meio da capacitação dos servidores, correção das situações de desvio de função e estruturação das equipes de acordo com o que determina a lei.

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A coluna procurou a prefeitura de Balneário Camboriú nesta quarta-feira. A procuradoria jurídica informou que a administração não irá se manifestar até ter acesso à ação civil pública. Caso envie posicionamento, será publicado neste espaço.