O desembargador Helio do Valle Pereira, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), concedeu um habeas corpus que suspende os efeitos de uma lei municipal de Chapecó e permite que os pais levem crianças e adolescentes à 7ª Parada de Luta LGBTQIA+ do Oeste Catarinense, que ocorre neste domingo (30). A decisão traz uma lição sobre preconceito e o papel dos legisladores.

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Plantonista neste fim de semana, o desembargador atendeu a um pedido de urgência do PSOL, que recorreu ao TJSC argumentando que a lei, promulgada pela Câmara de Vereadores de Chapecó, restringe a liberdade e tem caráter homofóbico. A legislação estabeleceu multa de R$ 5 mil aos organizadores para cada criança que comparecer ao evento.

Ao conceder o habeas corpus, o magistrado ressaltou que os eventos têm classificação etária e os pais têm autonomia para avaliar a presença dos filhos. Lembrou decisão recente do Supremo Tribunal Federal, que igualou o crime de homofobia ao crime de racismo, e “puxou a orelha” da Câmara de Vereadores, pontuando que cabe aos legisladores, de acordo com a Constituição, prezar pelo tratamento igualitário entre os cidadãos.

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“A que título se veda a participação de crianças em eventos promovidos pela comunidade LGBTQIA+, sem nenhuma delimitação particular? Há clara conotação preconceituosa, como se atos realizados pelo segmento fossem dotados de uma moralidade inferior, uma visão retrógrada de que conduziriam crianças e adolescentes à devassidão por sua mera presença” – afirma o desembargador na decisão.

“Pouco importa a classificação indicativa atribuída a cada ato em particular e todo o regramento específico para frequência de menores conforme essas diretrizes, menos ainda a autonomia dos pais e responsáveis para sopesar os valores difundidos em confraternizações do gênero. Um ato estatal solene, expressão do Parlamento local, que deveria prestigiar a igualdade perante a lei sem distinção de qualquer natureza (art. 5º), simbolicamente difunde pânico moral, propaga a estigmatização de um grupo indistintamente”, completa.

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Toda a argumentação do desembargador traz referências e reflexões sobre o momento histórico, o fenômeno das redes sociais e a era da pós-verdade, em que convicções pessoais são sobrepostas aos fatos.

“Assumem-se posições sem análise de dados materiais; formam-se juízos de valor pela necessidade de ratificar preconceitos (…) Esse apego intenso à pós-verdade é uma tendência potencializada pela verborragia totalitária que vem ganhando corpo, mesmo com momentos de inflexão, mundo afora” – registra.

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“Eis que vêm as redes sociais com o cientificismo de WhatsApp, o academicismo de Instragram e a erudição do Facebook – tudo se resolvendo pelas tais alianças dos grupos. São meandros que se guiam (ou se perdem…) por uma cegueira deliberada, universo paralelo de experts que, alertados por seus sentimentos, escolhem suas evidências, provam-nas e outorgam seus veredictos, prescrevendo soluções rasas a problemas complexos e distribuindo ofensas preconceituosas”.

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O desembargador fala, por fim, na involução social dos dias atuais, representada por medidas que contrariam os direitos constitucionais:

“É o contrailuminismo: malquer a cultura formal, apequena o constitucionalismo, desdenha das universidades, deprecia a imprensa, enfastia-se com as diferenças; mas brada as conspirações, entusiasma-se com a ciência de smartphone, anima-se com a violência, fantasia sobre o passado, extasia-se com a guerra”

“É entendimento que deve ser lido como uma exortação nada original ao respeito à dignidade da pessoa independentemente de sua orientação sexual. Nada original porque essa visão já está positivada em nosso ordenamento. Para isso, porém, deve-se olhar a Constituição de 1988 como se estivéssemos em 1988, não neste retrógrado 2024. (…) Assim, defiro a liminar para garantir aos pacientes, em especial aos menores, seus pais e representantes, de forma coletiva, um salvo-conduto para participação na 7ª Parada de Luta LGBTQIA+ do Oeste Catarinense na cidade de Chapecó no dia 30 de junho de 2024, sem qualquer restrição na liberdade de locomoção ou aplicação de sanções administrativas/multas, ante a ameaça de violência ou coação de sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder das autoridades locais”.

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