O desembargador Helio do Valle Pereira acolheu um recurso do Ministério Público de Santa Catarina e proibiu, nesta quarta-feira (7), a condução forçada de pessoas em situação de rua em Balneário Camboriú. A decisão também proíbe que as abordagens dos moradores de rua sejam feitas diretamente pela Guarda Municipal Armada, que poderá participar das ações somente para prestar apoio e segurança aos servidores de saúde e assistência social.
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A ação foi movida pelo promotor de Justiça Alvaro Pereira Oliveira Melo, que pediu à Justiça a suspensão de um serviço de recolhimento de pessoas em situação de rua em Balneário Camboriú, denominado “Clínica Social”. A ação afirma que o local coleciona irregularidades, como conduções involuntárias pela Guarda Municipal – inclusive com uso de algemas – e surtos forçados por abstinência entre usuários de drogas, para justificar internações compulsórias. Para o MPSC, o local estaria servindo para “limpeza social”.
Em primeira instância, a liminar foi negada. O promotor recorreu então ao TJSC, que concedeu boa parte dos pedidos. Mas o desembargador foi além. A decisão traz uma sensível lição de humanidade, para operadores do Direito e para gestores públicos.
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O magistrado diz que o relato do Ministério Público é de uma “política higienista” derivada da aporofobia, a aversão aos pobres.
“Já não fosse suficiente todo preconceito e situação inimaginavelmente desumana à qual estão sendo expostos os moradores de rua, muitos (mas certamente não todos) enclausurados em seus vícios, é absolutamente indefensável que oficialmente se permita uma espécie de higienização social – uma forma de extermínio -, eclipsando-a na forma de uma política pública dita humanizada , mas que na essência prioriza apenas a aparência (uma ideia de que ninguém os veja, que fiquem escondidos). Não existe cidadão de qualidade inferior e jamais se pode conceber que o Estado trate quem quer que seja como um objeto a ser ocultado”.
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O magistrado segue, falando que a responsabilidade dos gestores públicos com as pessoas em situação de rua é a mesma que deve ter em relação a qualquer outro cidadão.
“Cabe à Administração – é prioritário mesmo – atender ao apelo social derivado da situação dos moradores de rua, que vivem mesmo à revelia da dignidade humana”.
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Em outro trecho, ele fala do papel dos operadores da Justiça quando se deparam com os direitos dos excluídos. E reflete sobre a desigualdade em Balneário Camboriú, cidade que ostenta o metro quadrado mais caro do país.
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“Defender os direitos humanos não é opção dos juízes; é dever. Tratar todas as pessoas com dignidade é nosso dever. Pobre ou rico, constitucionalmente são todos iguais. E tenho convicção que um morador daqueles andares altos de Balneário Camboriú, mesmo jogado na sarjeta, não seria objeto de medidas coercitivas, de internação compulsória, ou impelido a voltar para a cidade de origem”.
Na liminar, o desembargador avaliou que os indícios apresentados até o momento pelo Ministério Público apontam que o problema em Balneário Camboriú estaria na forma ostensiva com que as pessoas em situação de rua são abordadas, por guardas armados. Ele decidiu manter ativa a Clínica Social por entender que, no momento, ainda não há demonstração segura de falha generalizada no atendimento no local. “O que há de indicativos é quanto ao recolhimento impositivo e agressivo pela Guara Municipal”, considerou.
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Na decisão, o desembargador determina que os agentes passem a observar o direito fundamental de autonomia da vontade, e de ir e vir das pessoas em situação de rua em Balneário Camboriú.