Estudantes da UFSC são os primeiros no país a mobilizarem um levante de greve contra o bloqueio de verbas que ameaça a sobrevivência das universidades e institutos federais. Mais de 70% dos cursos aderiram à paralisação, que começou difusa, mas vem ganhando forma e força.
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Há reclamações dos alunos que discordam da greve. Há críticas de setores da sociedade que minimizam, ou discordam das pautas do movimento. Tudo dentro do esperado para um país que ainda garante o direito à indignação.
A greve estudantil é legítima. Pode não ser um instrumento legalmente constituído, já que estudantes não são trabalhadores, a quem a lei se refere no direito à greve. Mas a movimentação é simbólica. A mobilização estudantil ainda é, no Brasil e no mundo, uma força viva na busca por mudanças. Não importa quem esteja à frente do governo. E é por isso que ela aterroriza mentes autoritárias.
Basta um passar de olhos por fatos importantes da nossa história. A luta contra a ditadura, passando pelo movimento pelas diretas, e os caras pintadas da década de 1990. Todos nasceram e floresceram no ambiente estudantil.
É natural que venha da universidade a reação a uma política de governo que bloqueia verbas a ponto de causar incerteza sobre a continuidade do ano letivo. Dos R$ 145 milhões previstos no orçamento deste ano, para despesas de custeio, R$ 40 milhões seguem bloqueados, sem previsão de liberação.
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As contas de agosto foram pagas com uma liberação de última hora do Ministério da Educação. Para os custos deste mês, não há dinheiro em caixa. Honrar contratos e despesas básicas, como água, luz e telefone, dependerá de novo upgrade de caixa. A conta gotas. Se é que ele virá.
Hoje, há verbas para funcionar por mais 15 dias. E é essa incerteza o que ameaça o término do semestre letivo.
Não é a paralisação dos alunos, mas a falta absoluta de verbas para funcionar que pode estragar formaturas, interromper projetos e atrapalhar quem tem vontade de estudar.
Com um agravante: para o ano que vem, o orçamento anunciado para a UFSC é de R$ 87 milhões. Insuficiente para cobrir os custos da universidade – que, diga-se de passagem, não tiveram os orçamentos devidamente reajustados pelos últimos governos.
As medidas de economia incluíram renegociação de contratos, redução no número de terceirizados e cancelamento da Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão (Sepex). Uma decisão que corta “na carne” a universidade, uma vez que abriu mão de sua principal vitrine.
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A UFSC, por meio de seus professores e alunos, está entre as 10 instituições que mais produziram ciência no Brasil nos últimos quatro anos. Aliás, das 50 instituições que aparecem na lista, 49 são universidades federais, estaduais e institutos públicos de pesquisa. Atingidos em cheio pelo bloqueio de verbas.
Cortes atingem quem mais precisa
Em última medida, a falta de verbas afeta diretamente os alunos que mais dependem da universidade pública. Mais da metade dos estudantes da UFSC têm renda per capita de até um salário mínimo e meio. E uma parte expressiva está na categoria mais sensível, de meio salário mínimo per capita. Muitos não têm família na Capital – precisam de dinheiro para morar, para comer.
São estudantes que dependem dos programas de amparo, que a falta de recursos coloca na berlinda.
Ainda é cedo para saber se a movimentação da UFSC chegará a outras universidades e institutos federais. No Paraná, por exemplo, os professores recomendaram à reitoria da UFPR que suspenda o vestibular. Se não há verbas, não entra mais ninguém. Na UFSC, o entendimento foi de que não se deve interromper sonhos. Enquanto for possível.
A natureza da universidade é plural, diversa, idealista. É natural que dessa efervescência surjam os movimentos de contestação. Assim sempre foi, e continuará sendo.
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Junto com o voto, o protesto, em suas mais diversas formas, é uma expressão legítima de sociedades que se pretendem democráticas e livres.