De todas as ausências provocadas pela pandemia, nenhuma é tão vazia quanto a da morte. Às vítimas da Covid-19 e seus familiares é interditado o direito ao ritual de despedida, parte fundamental do penoso processo de luto. A jornalista Luciana Zonta é uma, entre milhares de catarinenses, que convivem com essa dor.
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Também infectada pelo novo coronavírus, ela estava em isolamento quando o pai, Ademar, morreu na UTI. Ele foi cremado sem a presença da família.
Esta semana, quando a morte do pai completou um mês, Luciana escreveu em uma carta a despedida que não teve direito de fazer. No texto emocionante, publicado nas redes sociais, ela relata o que gostaria de ter dito, se tivesse chance.
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“Cheguei a te falar, pela última vez, o quanto nós te amávamos. E que o Davi, a Lis e o Nícolas te esperavam aqui fora. Te lembrei da viagem já combinada para a Itália com os meninos e pedi para você ficar bom logo porque precisávamos cumprir o prometido. Você me devolveu dizendo, mais uma vez, que éramos a razão da sua vida. E prometeu voltar, mesmo sabendo que talvez não voltasse. Faltou dizer mais algumas coisas, pai. Não deu tempo”.

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Luciana conta que o pai descobriu que havia sido infectado pelo coronavírus no dia 16 de março, depois de três dias se sentindo muito fraco. Na bateria de exames que fez no Hospital da Unimed, em Balneário Camboriú, foi descoberto que ele já estava com pneumonia, e 50% do pulmão havia sido comprometido.
Ademar foi internado, e Luciana foi a autorizada a ficar com o pai, como acompanhante. Ela viu de perto a saúde dele agravar, e a equipe médica tentando conter a saturação do pulmão para evitar a intubação. Mas não havia outro jeito.
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– O médico me chamou e disse: “não temos mais alternativa”. E eu perguntei: “E como é que se conta para alguém que a pessoa vai para a UTI e vai ser intubada?” O médico me disse: “Vamos contar juntos, eu e tu”.
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– Talvez tenha sido um dos momentos mais difíceis da minha vida. E foi também uma aula de inteligência emocional perceber a forma como o médico contou para ele que “ele queria muito ajudar o meu pai a ficar bom, mas para isso precisava levar ele para um outro setor do hospital, para um tratamento mais intensivo”. Ou seja, o médico contou o que precisa ser contado, mas de uma forma muito leve e positiva.
– Meu pai, sempre com ótimo senso de humor, ainda brincou: “Então daqui vamos direto para o matadouro?” E soltou aquela gargalhada que lhe era tão típica. A enfermeira logo devolveu: “Vamos levar você para o viveiro. Aqui nós fazemos as pessoas viverem”.
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Como Luciana estava acompanhando o pai, os médicos deram 30 minutos para que eles conversassem antes do procedimento de intubação. Foi a última vez que eles se falaram.
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– Era o tempo que eu tinha para dizer o que precisava ser dito. E era tão pouco tempo. Foi só o tempo de dizer que amávamos ele de todo o coração e que precisava voltar para cumprir o prometido aos netos, ir para a Itália com eles. Essa era a minha principal armadilha para que ele tivesse uma ‘missão’ para voltar, para que sua mente reagisse em conjunto com o seu corpo na longa espera que geralmente inclui a recuperação. No fundo, foi uma tentativa meio desesperada de mantê-lo aqui. Porque eu sabia que as chances de aquele ser nosso último momento eram grandes”.
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Ademar morreu na manhã de 25 de março, nove dias depois de ter sido internado. Luciana, que também estava com Covid-19, teve pneumonia e precisou ficar isolada. O corpo do pai foi cremado, sem a presença da família.
– Não teve velório, não teve despedida oficial, não teve nada. E esta carta foi a forma como encontrei de aceitar e absorver tudo o que aconteceu. E também de deixar ele ir – diz a filha.
Carta de Luciana ao pai, Ademar
“Pai, hoje faz exato 1 mês que você foi embora. E aqueles 30 minutos que gentilmente o médico me concedeu antes de te levar para a UTI, naquela madrugada insana, não foram suficientes para te dizer tudo o que eu queria.
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Cheguei a te falar, pela última vez, o quanto nós te amávamos. E que o Davi, a Lis e o Nícolas te esperavam aqui fora. Te lembrei da viagem já combinada para a Itália com os meninos e pedi para você ficar bom logo porque precisávamos cumprir o prometido. Você me devolveu dizendo, mais uma vez, que éramos a razão da sua vida. E prometeu voltar, mesmo sabendo que talvez não voltasse.
Faltou dizer mais algumas coisas, pai. Não deu tempo.
Queria te contar que agradeço frequentemente ao Universo os pais que tive. Foram o pai e a mãe exatos para mim. Que sou eternamente grata pelas nossas conversas e pela tua alegria. Que teu foco e determinação me inspiram até hoje, como em 1976, quando você chegou em Balneário Camboriú com um fusca velho e uns trocados no bolso para abrir o seu próprio negócio e disse que, em no máximo 10 anos, estaria morando em seu próprio apartamento de frente para o mar. Seis anos depois, a gente se mudava para o imóvel que você tinha sonhado.
Não deu tempo de te falar, mais uma vez, o quanto admirava o teu jeito único com crianças desde que a gente era criança. Você era o pai e o tio mais alegre, daqueles que enchem a casa e o coração na noite de Natal. Você foi o vô mais amoroso que teus 3 netos poderiam ter. E que teus olhos brilhavam como estrelas quando estavas com eles.
Queria ter te dito novamente, pai, o quanto fui grata pela tua exigência e disciplina com o nosso conhecimento. Por encher a nossa casa de livros, revistas e referências. E de quando você me falava que eu nem ousasse casar antes de terminar a faculdade para que eu não dependesse de pessoa alguma, só do meu esforço e sabedoria.
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Queria ter agradecido por ter sido o pai que nos levava para ver jogos do Vasco em São Januário e no Maracanã e as corridas de Fórmula 1 em Jacarepaguá. Por nos mostrar os fatos ao vivo e a cores, ao invés de somente ver a vida passar na TV. Por sempre nos lembrar que o melhor investimento era embarcar em um avião rumo a um novo pedaço do mundo. Por me incentivar no intercâmbio e por ter enchido o seu coração de orgulho a cada matéria internacional que eu fazia.
Queria ter falado que sou grata até pelos momentos difíceis da nossa relação. De quando as minhas escolhas fizeram vocês sofrerem. Nestes momentos, eu consegui perceber o teu caminho, as referências que trouxeste da tua casa e de quanto as nossas gerações podem discordar e se amar mesmo assim. Por ter aprendido que eu não precisava suprir as expectativas e que mesmo não suprindo, vocês nunca deixaram de me amar. E mais ainda: por no final do caminho você reconhecer e brindar por estas escolhas.
Pai, eu só queria ter te dito que seja ouvindo tuas histórias nos almoços de domingo, ou caminhando ao teu lado nas ruas de Amsterdã, as melhores lembranças serão tuas.
Os melhores vinhos, as melhores risadas, as melhores fotos de viagem.
Obrigada por tudo, pai. Tu estarás sempre comigo!”
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