Onde as coisas se quebram? Esta é uma pergunta que me tira o sono. O fim de uma relação profissional, a fratura de uma amizade, o ocaso de um amor. Penso, mergulho nas profundezas de minha alma, chego a conclusões simplistas, reducionistas até. Os seres humanos têm verdades demais. E, o pior, nos levamos a sério demais – faltam a autocrítica sem perder a ternura jamais, o humor, o reconhecimento de que somos patéticos.
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Corre nas redes sociais um parágrafo bonito de Milan Kundera, escritor tcheco. Extraído do livro “Um Encontro” (lançado aqui pela Companhia das Letras), o trecho seguinte é tiro-e-queda: “É preciso realmente uma grande maturidade para compreender que a opinião que nós defendemos não passa de nossa hipótese preferida, necessariamente imperfeita, provavelmente transitória, que apenas os muito obtusos podem transformar numa certeza ou numa verdade”.
É arduamente pesado conviver com uma pessoa cheia de verdades. Dá uma tremenda preguiça. Para ela não há dúvidas, temores, empatia. Não há diálogo. Ela está sempre armada com a verdade entre os dentes. Fingir que interage é uma arte – as frases entram por um ouvido, saem pelo outro, porque ela já sabe e já viu tudo do mundo. Para ela não há espaço para surpresas, estranhamentos, para o novo. E pobre de quem tenta enfrentá-la com argumentos, sejam precisos ou vacilantes. Este coitado muito provavelmente passará a ser odiado pelo dono das imperturbáveis e inquebrantáveis verdades.
Talvez tudo isso explique um pouco do ódio que está tomando conta do país. O apego a verdades toscas, o horror às ideias do outro, a profunda aversão a respeitar o pensamento alheio. Se sou de esquerda e tenho boas ideias? Se sou de centro e tenho argumentos bem sustentados? Se sou de direita e tenho razoável argumentação? Se simplesmente odeio política? Não importa. É muito mais fácil partir para o xingamento, a ofensa moral, a materialização da porrada – seja pelas redes sociais ou ao vivo. O recado é direto: tenho as minhas verdades, as suas não valem uma moeda sequer. Isso é de um infantilismo atroz.
Ouvi esses dias que o Brasil está ficando um país cansativo. Já tínhamos a malandragem, a violência, a bandalheira, a desgraça dos jeitinhos, a pobreza, a falta de educação (em todos os sentidos). Agora temos a crescente intransigência – e ela não pode ser sinônimo de nosso declínio como sociedade. Contra isso há apenas um antídoto, e seus princípios ativos são a inteligência, o respeito ao cara da porta ao lado e o perseverante abraço ao mundo das ideias. Sem esse remédio, caminharemos a passos largos para virar o país da intolerância.
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O advento e o fortalecimento das redes sociais acabaram com a separação entre os espaços público e privado. Quando criou o Facebook num dormitório em Harvard, Mark Zuckerberg sonhava aproximar as pessoas. Hoje a rede tem mais de 2 bilhões de usuários e se transformou num canal de disseminação do discurso do ódio e de invasão de privacidade.
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Hermann Hesse, escritor alemão, escreveu: “Se você odeia alguém, é porque odeia alguma coisa nele que faz parte de você. O que não faz parte de nós não nos perturba”.
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Esta Superedição de fim de semana publica extensa entrevista com Jair Bolsonaro. Já conversamos com Henrique Meirelles. E falaremos com os demais pré-candidatos à Presidência do Brasil. Tudo para que os catarinenses possam entender o que os postulantes pensam e conhecer seus projetos de governo. E que a decisão do voto seja tomada com consciência, com amor. Sem ódio. Assinantes têm acesso ao conteúdo completo antecipadamente.
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O momento é de altruísmo, humanismo, desprendimento, generosidade. Parafraseando aquele velho programa de TV: faça amor, não faça a guerra.
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