Tenho muitas lembranças da infância. Soltar pipa e jogar futebol com a molecada; as linhas de todas as cores espalhadas pelo chão da modesta casa (minha mãe adorava costurar); o cheiro do bolinho de carne posto sobre a mesa; a Ave Maria no radinho de pilha; Sandra, minha irmã, dançando como uma chacrete do Chacrinha; o cafuné gostoso de minha avó Edith; os pequenos balões coloridos nas festas de São João; e as primeiras e não correspondidas paixões são alguns exemplos desta saudade que vem à memória de sempre em sempre.
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Lembro também da Copa do Mundo de 1970. A cada vitória do time de Pelé, Rivellino, Gérson, Jairzinho & Cia, desfilávamos pelas ruas acompanhando o concorrido Bloco da Vaca. “O grande homem é aquele que não perdeu a candura de sua infância”, afirma um provérbio chinês.
Uma das reminiscências mais poderosas, de deixar os olhos marejados, é aquele aroma produzido pela chuva quando cai no solo depois de um período de clima seco e quente. Aquilo tem nome: petricor. Vem da palavra grega “petra”, que significa pedra, e “icor”, o fluido que corre nas veias dos deuses da mitologia grega.
Petricor. Palavra lindíssima. Perfume que não se esquece. Sentimento imperecível.
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A profecia e a realidade
Lá pelos idos de 2010 o técnico Renê Simões disse, depois de um jogo de seu time (o Atlético-GO) contra o Santos: “Estou desde garoto no futebol e poucas vezes vi alguém tão mal-educado desportivamente. Sempre trabalhei com jovens e nunca vi nada assim. Está na hora de alguém educar esse rapaz, ou vamos criar um monstro. Estamos criando um monstro no futebol brasileiro”.

Rico, mimado, vivendo no mundo árabe, o “Menino Ney” está novamente machucado – desta vez, infelizmente, ficará afastado por muito tempo. Neymar construiu sua carreira em conflito com árbitros, jornalistas, companheiros de profissão e até mesmo com o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Talento desperdiçado, abandonado e trocado pela ganância e pela arrogância.
A profecia se concretizou – com o apoio do silêncio e da conivência de muita gente.
Virou piada
Começo das Eliminatórias Sul-Americanas para a Copa de 2026. Quatro jogos. Vencemos a Bolívia de goleada, batemos o Peru com um gol no fim do jogo, empatamos com a Venezuela e perdemos para o Uruguai. Neste último jogo, demos apenas um chute a gol – e de bola parada.
Há muito tempo perdi o interesse por seleção brasileira. Acho que os jogadores também perderam o interesse pela seleção brasileira. Talvez até a própria CBF tenha perdido o interesse pela seleção brasileira. (Ops, que engano, a seleção brasileira ainda é uma galinha inesgotável dos ovos de ouro para quem a administra.)
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Uma coisa é certa: a pentacampeã seleção brasileira está virando piada mundial, assim como o “Menino Ney” transformou-se em meme em todo o planeta, na Copa de 2018, com as quedas e os rolamentos patéticos.
César Seabra: “A desesperadora crise de talentos da Seleção Brasileira”
“Os jogadores brasileiros estão em prateleiras inferiores”, diz o cronista esportivo Gilmar Ferreira. Certeiro. Qual de nossos craques é protagonista num grande clube europeu? É grave a crise.
Para pensar: Kaká foi o último jogador brasileiro eleito o melhor do mundo, em 2007. Nada é pequeno por acaso.
Lição de vida
Campeão mundial com a Argentina em 1978, o técnico César Luis Menotti tem uma máxima que serve para toda a vida: “Aquele que só de futebol sabe, nem de futebol sabe”.
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Para refletir
“Só havia três coisas sagradas na vida: a infância, o amor e a doença. Tudo se podia atraiçoar no mundo, menos uma criança, o ser que nos ama e um enfermo. Em todos esses casos a pessoa está indefesa”
Miguel Torga, escritor português
“Todas as paixões passam e se apagam, exceto as mais antigas, aquelas da infância”
Cesare Pavese, escritor italiano
“Sou hoje um caçador de achadouros da infância. Vou meio dementado e enxada às costas cavar no meu quintal vestígios dos meninos que fomos”
Manoel de Barros, poeta brasileiro
“Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons”
Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro
“Pegamos o telefone que o menino fez com duas caixas de papelão e pedimos uma ligação com a infância”
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Millôr Fernandes, escritor brasileiro
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