As duas coisas que mais tenho feito em tempos de coronavírus: trabalhar (na empresa e em casa) e chorar. Me pego chorando a todo momento. Certamente por estar próximo ao grupo mais ameaçado e por medo de ficar doente, choro. Por estar longe de meus parentes e da mulher que amo, choro.

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Ao fim de um filme que já vi 584 vezes, choro. Ao ouvir Leonard Cohen e David Bowie, choro. Ao reler Drummond, choro. Ao lembrar a rara doença que surpreendeu a minha irmã e ao recordar o nascimento de minha filha, choro. Por temor de dormir e não acordar, choro.

Em entrevista ao jornal “O Globo”, sobre como seremos e nos comportaremos depois da Covid-19, o filósofo suíço Alain de Botton disse: ''Uma das coisas sábias nas crianças é que não têm vergonha de explodir em lágrimas, talvez porque tenham um senso mais exato e menos orgulhoso de seu lugar.''

Infelizmente, essa sabedoria tende a se perder à medida que envelhecemos. Somos ensinados a evitar ser, a todo custo, o bebê chorão. Começamos a associar maturidade a invulnerabilidade e competência. Imaginamos que é sensato acreditar que somos infalíveis e no comando do que está acontecendo. Devemos nos esforçar para manter algo do bebê chorão.”

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Perto dos 60 anos sigo bebê chorão – não me envergonho. Choro ao fim de uma novela, ao escrever uma linha, ao pensar em meus pais, ao ver os corpos transportados em caminhões na Itália e em Nova York nesta pandemia que assola o mundo. Choro ao ver tanta gente vivendo sob barracas ordinárias e passando fome nas ruas. Choro com as lágrimas de uma criança.

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Choro com coisas boas – ao rever o Botafogo campeão de alguma coisa num canal de esportes. Choro por coisas ruins – como ver o Brasil comandando por um presidente que despreza o bom senso e o conhecimento científico num tempo em que precisamos de líderes de verdade. Os panelaços e o isolamento político são a conta amarga de seu governo.

Desde 2015 a antropóloga Mirian Goldenberg trabalha com homens e mulheres com mais de 90 anos. Em entrevista à “Folha de S.Paulo”, ela conta que um deles ligou para dizer que havia visto os caixões na Itália e que, lá, os filhos não estão se despedindo dos pais. “Miriam, como vai ser?”, o idoso indagou. Ela chorou. Chorei também.  

É preciso coragem. A vida exige destemor, desapego, resiliência. “Momentos de perda de coragem pertencem a uma vida corajosa”, disse De Botton na mesma entrevista. Ele segue: “Não existe maturidade sem uma negociação adequada com o bebê, e não existe um adulto que não anseie por ser consolado como uma criança pequena.”

Agora somos todos crianças pequenas. Sem rumo, apavoradas, horrorizadas com tudo o que jamais vimos na Era do Streaming. Estamos perdidos. Não sabemos aonde vamos, onde estaremos amanhã. É preciso ter fé na ciência. É preciso ser bem informado e se prevenir (fique em casa). É preciso cantar alto, conversar com os vizinhos pelas sacadas dos apartamentos, sonhar com as viagens que faremos depois que tudo isso passar. É preciso amar e ter o amor das pessoas que amamos.

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É preciso chorar. Faz bem.

Da neuropsicóloga Sharon Simon: 

“A Covid-19 nos mostra que ‘um por todos, todos por um’ não é um clichê – é sobrevivência”.

Do escritor israelense Yuval Noah Harari:

“A epidemia de coronavírus é um grande teste de cidadania. Nos próximos dias, cada um de nós deve optar por confiar em dados científicos e especialistas em saúde em detrimento de teorias infundadas da conspiração e de políticos que só servem a si mesmos. Se não conseguirmos fazer a escolha certa, poderemos nos encontrar avalizando a retirada de nossas mais preciosas liberdades, pensando que essa é a única maneira de proteger nossa saúde”.