Falar mal de ídolos tornou-se um esporte nacional. Se alcança o sucesso, a gente detona. Costumo dizer que se Pelé fosse americano teria uma estátua em cada cidade dos Estados Unidos. Roberto Carlos, a mesma coisa. Ambos seriam tratados como merecem: reis do futebol e da música. Mas aqui gostamos de ser diferentões.

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Vejam o exemplo mais recente dessa macabra diversão. Um diretor da Funarte (a Fundação Nacional de Artes) chamou Fernanda Montenegro de "sórdida", devido ao fato de ela ter sido retratada, numa revista, como uma bruxa pronta a ser queimada numa fogueira de livros. (A clara referência a tentativas recentes de censura teria irritado o tal diretor.)

Isso mesmo, Fernanda Montenegro. A grande brasileira que fará 90 anos dia 16 de outubro – 70 deles dedicados aos nossos teatro, televisão e cinema. A Fernanda que disputou o Oscar de atriz principal em 1998, como a Dora do filme "Central do Brasil". A Fernanda que foi a primeira atriz brasileira a ganhar, em 2013, o Emmy Internacional pela atuação em "Doce de Mãe".

Patrimônio reverenciado por críticos e aplaudido por todo o mundo, Fernanda foi chamada de "sórdida" por um sujeito que deveria defender os artistas e a livre expressão de todas as formas de arte. É simplesmente indigno. Me indago onde essa radicalização louca vai parar, para onde esse hooliganismo fundamentalista vai nos levar.

O comediante Gregorio Duvivier escreveu que o ataque a Fernanda faz sentido: "Ela está no diâmetro oposto do que o país está se tornando". Ele tem razão. Para conhecer um pouco da brilhante história de Fernanda Montenegro basta ler a recém-lançada autobiografia "Prólogo, Ato, Epílogo".

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O resto é o resto.

Elza

Elza Soares também está perto dos 90 anos, que fará em 23 de junho de 2020. Também sofreu muito por aqui. Dona de voz potente, penou com a fofocalhada popular. Durante anos e anos carregou o estigma de "a amante que acabou com o casamento de Mané Garrincha".

A cantora acaba de lançar "Planeta fome", disco que toca em feridas abertas de um país polarizado. Em "Brasis", de Seu Jorge, Elza canta:

"Tem um Brasil que é próspero, outro não muda.

Um Brasil que investe, outro que suga.

Um de sunga, outro de gravata.

Tem um que faz amor e tem o outro que mata."

A guerreira Elza continua sua incansável batalha pela sobrevivência.

Adriana

Para seguir com a beleza das mulheres, fechamos com "Era pra ser", obra-prima de "Margem", o novo disco de Adriana Calcanhoto:

"Era pra ser canção de amor

Era o amor em versos

Era pra ser sobre você e eu e o meu deserto.

Era pra ser para você, sempre você, pra sempre.

Era pra poder ficar eternamente no presente.

O amor soprou de outro lugar

Pra derrubar o que houvesse pela frente.

Tenho que te falar

Essa canção não fala mais da gente."

É o amor cantado sem disfarces em tempos de ódio e preconceitos.

Elas

O Brasil precisa de mais respeito.

O Brasil precisa de mais coragem.

O Brasil precisa de mais Fernandas, Elzas e Adrianas.