cemitério
(Foto: Sando Pereira, Folhapress)

Nestes dias de horror e cólera, invariavelmente me sinto culpado pelas dores do mundo, pelo repentino aparecimento da Covid-19, pelas centenas de milhares de mortes que o vírus provoca em todo o planeta. Sinto culpa pelas irresponsabilidades de governantes, pelas malandragens de empresários ansiosos por reabrir os estabelecimentos, por quem não usa máscara nem respeita o isolamento social, pela falta de empatia e humanismo ao nosso redor. Toda esta culpa carrego em meus ombros por ser jornalista.

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Uma maluca aparece e diz que nós, a imprensa, estamos desenterrando cadáveres. Outra louca surge e dá com a bandeira do Brasil na cabeça de uma repórter que simplesmente fazia o trabalho dela. Por todos os lados, somos, a imprensa, acusados de trazer à tona apenas notícias dolorosas, como se nada de ruim estivesse acontecendo por aí.

Em todo o mundo jornalistas mostram os desastres causados à saúde pública e à economia de países ricos ou pobres. Revelam desastradas decisões de políticos que ainda preferem não acreditar na ciência nem ouvir os especialistas, mas sim fazer piadas infames sobre o coronavírus.

Também, em todos os continentes, jornalistas se desdobram para revelar o destemor e o amor no trabalho dos profissionais da saúde, importantes iniciativas de governos e empresas e a solidariedade de pessoas simples na ajuda a quem precisa, a desesperada batalha de pesquisadores na busca de vacinas e remédios, as comoventes histórias de pessoas que perderam a luta para a doença. Sim, elas não são apenas números, elas tinham histórias – e belas histórias.

É pouco, dizem, “vocês, a imprensa, precisam ser mais otimistas. Isso é apenas uma gripezinha, nada demais, poucos vão morrer”. Não. Ainda estamos longe do fim da pandemia. Não podemos relaxar. Temos que duplicar, triplicar os cuidados – em casa, nos escritórios, no comércio, nas ruas. Sinto informar que a “gripezinha” continuará dizimando vidas. O pior está a caminho.

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O jornalista Rinaldo de Oliveira é o fundador do SoNoticiaBoa.com.br. O nome diz tudo. Ele me disse: “Divulgar notícias positivas é importante para aumentar a esperança, melhorar a saúde psicológica e elevar a solidariedade e a empatia. Temos vários relatos de leitores com depressão, síndrome do pânico e ansiedade que dizem que começam o dia mais animados lendo notícias boas”. Mas Rinaldo alerta: “Como jornalistas, defendemos que as pessoas saibam tudo o que acontece, se informem na mídia tradicional. Reforçamos que dar notícia boa não é alienar as pessoas”.

Nelito Fernandes, outro jornalista, é o criador do site de humor Sensacionalista. Ele me contou: “Tem sido um momento muito difícil e vários dias acabamos ficando sem fazer qualquer piada. No humor é mais difícil ainda brincar sobre coisa boa. Porque o humor critica. O que você pode é ajustar o alvo da crítica e mirar no opressor”. Mas Nelito acrescenta: “O jornalismo profissional não pode ser instado a escolher notícia boa ou ruim. Notícia é notícia. Tudo o que foge do normal é notícia. Ou seja: quando o governo funciona, vira notícia. Porque quase nunca funciona”.

Notícias boas e humor são verdadeiramente fundamentais, aliviam a alma. Mas são precisos equilíbrio e inteligência para compreender o papel da imprensa profissional e independente neste momento tão difícil. “Uma população motivada e bem informada é mais poderosa e eficaz do que uma população ignorante policiada”, escreveu o historiador israelense Yuval Noah Harari.

De acordo com importantes líderes mundiais, a pandemia da Covid-19 é considerada o maior desafio das nações desde a Segunda Guerra Mundial. Enquanto fontes discutíveis e notícias falsas se espalham pelas redes sociais, enquanto desinformação, mentiras e ignorância são disseminadas, a informação bem fundamentada será sempre um bem precioso – mesmo que ela nos faça sangrar, como agora.

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Do pintor irlandês Francis Bacon:

“Fui sempre um otimista, mesmo não acreditando em nada”.

Do filósofo racionalista holandês Baruch Espinosa:

“Os que são governados pela razão não desejam para si nada que também não desejem para o resto da humanidade”.

Do escritor americano Paul Auster:

“O mundo é guiado pelo acaso. A contingência nos persegue todos os dias de nossas vidas, e essas vidas podem ser tiradas de nós a qualquer momento”.