Há pouco mais de 40 dias cheguei a Florianópolis para morar. Calmamente vou conhecendo uma cidade garbosa. A capital de Santa Catarina é, ao mesmo tempo, paroquiana (dizem aqui que a gente sabe até quem nos manda uma carta anônima) e cosmopolita (em tão pouco tempo conversei com francês, inglês, alemão, americano, suíço…). Cidade com bons serviços, gente bonita, educada, com praias gostosas e muito verde na paisagem, o que atrai turistas do mundo todo. (Nem vou falar dos argentinos…)
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Antes de chegar aqui, passei seis anos em São Paulo. A vida é fatigante por lá, o trânsito é dureza, quase não existe amor em SP. Mas as opções culturais e gastronômicas, no meu caso, compensam alguns sofrimentos. Na capital paulista, nos últimos anos, pude acompanhar um pesado investimento na área de segurança pública. Parece estar dando resultado. Alguns índices de violência estão caindo, mês a mês.
Antes de São Paulo passei outros seis anos em Nova York. A capital do mundo, com gente de todas as partes do planeta, multidões estilosas perambulando nas ruas, teatros lotados, restaurantes cheios, vida pulsando 24 horas por dia, sete dias por semana.
Na principal cidade americana pude conhecer os efeitos do Tolerância Zero. Lançado no começo dos anos 1990 pelo prefeito Rudolph Giuliani, o Tolerância Zero abrangia desde os pequenos delitos (como jogar papel na calçada e desrespeitar leis de trânsito) até o combate às máfias. Projeto polêmico, elogiado por muitos, contestado por outros muitos, deu certo. A ordem venceu o caos. Anda-se até hoje em Nova York em paz, sem olhar para trás.
Mas antes disso tudo vivi no Rio de Janeiro. Sou carioca, cresci em bairros do subúrbio classe média-baixa. Jogava bola e soltava pipa nas ruas, sem preocupações para nossos pais. O tempo passou, me formei jornalista, no começo da carreira entrava em qualquer morro para fazer reportagens, cabeça erguida, marrento, crachá pendurado no peito… O tempo voa, a folha cai, e a Cidade Maravilhosa vai tornando-se cada vez menos maravilhosa a cada temporada que passa.
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São mais de 30 anos de promessas para fazer boi dormir, de ideias sem-pé-nem-cabeça. Prefeitos e governadores incompetentes, irresponsáveis. Muita falácia, pouca inteligência, organização zero, nota zero. Os cariocas estão perdendo o tesão para sair de casa, ir à praia, ao cinema, ao shopping. O medo que paralisa. Os cariocas estão perdendo parentes e amigos. (Eu perdi vários, entre eles meu querido irmão Tim Lopes, que saudade…). Os cariocas saem de casa sem saber se voltarão a ver seus filhos, que sensação cruel. Os cariocas estão perdendo a piada, a leveza. A conta chega e é cara.
Volto agora a Florianópolis – segundo muitos, uma “pequena Rio de Janeiro”. Estranho recém-chegado que sou, puxo conversa com taxistas, lojistas, garçons, vizinhos, colegas de trabalho. Já percebo neles uma nascente sensação de medo. “Não podemos ser um novo Rio”, alguns me dizem. Outros afirmam que já saem menos à noite, têm medo das escaramuças das quadrilhas que se enfrentam nos bairros mais pobres da cidade. Confesso, ouvir isso me entristece.
Florianópolis está (ainda) muito longe do inferno em que se transformou o Rio. Mas é preciso atenção total. É preciso que as autoridades se unam, já, e construam uma política de segurança pública efetiva. São precisos dinheiro, vontade, inteligência. O combate ao crime tem que ser incansável, intransigente, incessante.
O povo de Florianópolis – minha nova cidade que aprendo a amar – não pode se entregar, jamais, ao medo de viver. É preciso calma. É preciso ânimo. É preciso alegria. Afinal, como escreveu Guimarães Rosa, “a vida é assim; esquenta e esfria, aperta e afrouxa, sossega e desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.
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