Vou chover no molhado. Impossível escapar. É preciso falar de ignorância, burrice, rancor… É preciso falar do terreno livre para o ódio em que se transformou o mundo das redes sociais. A morte de Marielle Franco, na semana passada, ainda põe mais lenha na fogueira dos ataques irracionais e pessoais. Cito apenas dois exemplos de gente que considerou justo o assassinato da jovem vereadora carioca: um acha que ela mereceu ser executada porque era “ultraesquerdista”; outro defende o crime porque ela seria “defensora de bandidos”. Em ambos os exemplos, mentiras.
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A pergunta que me faço é: como combater tanta estupidez? A resposta parece ser bem simples: com educação, aprendendo a ler e a estranhar, aprendendo a ouvir o contraditório e a respeitar outras opiniões. Somente assim seremos menos preconceituosos, menos ignorantes, menos imbecis.
Outra coisa que me instiga profundamente a curiosidade: descobrir gente que considero decente disseminando pensamentos de gente que considero indecente. O que há por trás disso? A prática da falta de (bom) senso crítico antes do clique “compartilhar” não vem de hoje. Antes tínhamos coisas inocentes, como frases de Clarice Lispector que jamais ela criaria, declarações do Papa argentino que jamais ele diria, textos de Arnaldo Jabor que ele jamais teria a incompetência de escrever. Agora, o incremento disso tudo é a cegueira, é a raiva. O ódio é a vingança do covarde, diria o dramaturgo Bernard Shaw. E a maldade bateu à porta, está no centro da sala, está sobre a nossa mesa.
Quando alguém me diz que não participa do mundo das redes sociais, custo muito a acreditar. Mas isso mexe com meu esqueleto. Tenho inveja do jornalista do New York Times que ficou dois meses sem entrar em qualquer mídia social. Depois, ele chegou à conclusão de que os jornais impressos são essenciais para quem deseja ficar bem informado. “Desativar o alarido das notícias urgentes na máquina que carrego no bolso foi como me desagrilhoar de um monstro que me telefonava sem parar, sempre disposto a interromper meu dia com boletins urgentes de notícias mal apuradas”, escreveu Farhad Manjoo.
Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump desenvolveu um estilo de governar pelo Twitter. O microblog serve para disparar acusações contra veículos como o “Times” e a rede de televisão CNN. Também é usado para demitir assessores e criticar a investigação do FBI que pode levar a uma abertura de processo de impeachment. Trump cria a sua verdade nas redes sociais – e ai de quem o contrarie. No país da democracia, a liberdade de expressão do presidente pode ser criticada, mas jamais censurada.
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Aqui mesmo, no nosso DC, fizemos esta semana um ataque pessoal pesado a um deputado federal. Não me interessa se ele é bom ou mau, feio ou bonito, se gosta de feijoada ou macarronada, se prefere o rock ao forró, se é progressista ou conservador. Não me interessam maniqueísmos. Não me interesso por paladinos da moralidade, justiçamentos ou caça às bruxas. Me interessa, sim, o bom jornalismo. Me interessa a busca inegociável pela verdade. Me interessa eternamente encostar a cabeça no travesseiro e dormir o merecido sono dos justos. Não há mais tempo a se desperdiçar com linchamentos públicos e mentiras.
Gosto de frases. Elas me inquietam. Me trazem reflexão incessante. Nesses tempos de caça às bruxas, em que a barbárie ameaça a civilização, fico com uma do escritor argentino Jorge Luis Borges: “Parece-me fácil viver sem ódio, mas viver sem amor acho impossível”.
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Casagrande foi um ótimo atacante. Hoje é um ótimo comentarista de futebol. Mas o que mais gosto dele é a visão humanista do mundo – o que os amigos leitores poderão conferir na entrevista publicada nesta edição.