Por Silvana Pires
Em conversa com a coluna, o ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo, afirmou que ficou estupefato com a decisão do juiz Sergio Moro em aceitar o convite para ser ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Para Cardozo, essa decisão coloca luz sob até que ponto certas decisões do juiz foram motivadas por um projeto político.
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Como senhor recebeu a decisão do juiz Sergio Moro em aceitar ser ministro do Bolsonaro?
José Eduardo Cardozo — Eu fiquei absolutamente surpreso com a decisão do juiz Sergio Moro de aceitar este cargo. Eu tinha visto especulações durante todo o período eleitoral e vi declarações do vice-presidente da República eleito, general Mourão, que já durante a campanha havia entendimentos para que o juiz Sérgio Moro viesse a ser ministro. Eu imaginei que diante desse quadro todo e da atuação que ele teve em situações que influenciaram diretamente o quadro eleitoral, por prudência ou por vocação de ser juiz, ele jamais aceitaria esse cargo. Ao assumir um cargo agora com o presidente Bolsonaro, me parece que ele revela um comprometimento com um projeto político. Portanto eu fiquei estupefato.
Moro irá ocupar um cargo que o senhor conhece muito bem, o senhor foi ministro da Justiça. O governo Bolsonaro vai criar um superministério da Justiça, o senhor acha que isso é o ideal?
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Cardozo — Eu acho um erro brutal do ponto de vista administrativo. O Ministério da Justiça, da forma em que ele estava, não podia continuar. Eu fui contra o recorte que Michel Temer fez no Ministério da Justiça, eu não acho que o sistema de segurança pública deva ser separado do sistema de Justiça. Mas eu poderia perfeitamente tirar algumas coisas do Ministério da Justiça para que eu pudesse ter algo mais focado e que não dispensasse o seu comando do ministro. O que se faz agora é o inverso, está se agregando a CGU, que é um monstro administrativo, aglutinando o CARF. Ou seja, é um gigantismo que só serve para vaidade de ministro, porque do ponto de vista funcional, é evidentemente impossível. E é um Ministério que exige muito afinamento político e ideológico com o presidente da República. Se quisessem fazer um ministério de combate à corrupção, crie um. Mas não transformar o Ministério da Justiça em uma coisa paquidérmica e administrativamente quase inadministrável como essa.
O senhor falou que é um ministério muito afinado com o presidente. Senhor acredita que essa relação possa funcionar?
Cardozo — Há uma lei da política que se costuma dizer que o chefe do Executivo nunca pode nomear alguém que não pode demiti-lo porque ele perde o controle. E o controle é dele por direito e por dever porque foi eleito. Na medida em que o presidente eleito nomeia Sergio Moro nas condições em que as coisas estão dadas, terá ele condições de demitir se Sergio Moro discordar dele? Ou Sérgio Moro submeterá a sua vontade não eleita ao presidente eleito? É um desafio. É uma fonte de prováveis problemas e dissintonias.
O país saiu da eleição dividido, como o senhor está vendo esse atual momento?
Cardozo — Eu acho que há um vírus de maluquice percorrendo o país neste momento. Um vírus que contamina, ele é galopante. Quando qualquer governante se elege, a primeira coisa que ele tem como dever é pacificar a situação. O que eu tenho visto nesses dias, a começar pelo pronunciamento do presidente eleito, ele pressupõe a guerra como forma de conduta, ele pressupõe a cizânia. Agora, do jeito que já dá os primeiros passos, governadores eleitos fazendo declarações infelizes como esse do Rio de Janeiro que propõe a lei do homicídio como regra, o quê que é isso? São coisas que são surreais no século 21.
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