Cíntia Domit Bittar – For Arquivo pessoal

Cíntia Domit Bittar é um dos principais nomes do cinema catarinense. Produtora, diretora, roteirista, montadora e fotógrafa, ela está no elenco que comanda Novelo Filmes, em Floripa. É de lá que nascem alguns conteúdos criados aqui no Estado já premiados e exibidos em todo o país. Um dos curtas mais recentes, Apenas O que Você Precisa Saber sobre Mim, dirigido por Maria Augusta V. Nunes, foi selecionado para integrar a Mostra Competitiva no Festival de Cinema de Gramado este ano. Além disso, está confirmado em outros quatro festivais, entre eles o 23º North Carolina Gay & Lesbian Film Festival, nos Estados Unidos.

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O filme que inaugurou a trajetória da da Novelo, Qual Queijo Você Quer?, tem direção e roteiro de Cíntia. Filmado em 2011, ganhou mais de 25 prêmios, entre eles o de “melhor curta-metragem” no Festival de Cinema do Rio, e circulou por 29 festivais nacionais e 49 internacionais.

– Como está a atuação do cinema catarinense? Qual é o principal desafio?
Apesar de sermos um setor organizado, produtivo e de alta capacidade técnica e artística, Santa Catarina está na contramão de outros estados e do governo federal. Empresas estão fechando e profissionais qualificados estão deixando o Estado. Temos diversos cursos de audiovisual e não conseguimos absorver mão-de-obra por conta da estagnação do mercado catarinense. Não temos Secretaria de Cultura própria e a Fundação Catarinense de Cultura teve 10 presidentes diferentes nos últimos 10 anos. Não temos uma Lei de Incentivo Estadual, então nosso principal instrumento de fomento é o Prêmio Catarinense de Cinema, que deveria sair anualmente segundo a lei, mas este ano tivemos publicado o edital de 2015. Ao não publicar editais de fomento ainda perdemos dinheiro federal, pois há uma chamada pública de suplementação com dinheiro do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) na qual a cada um real regional o FSA coloca mais quatro reais. É um dinheiro que viabiliza produções de filmes que contratam diversas pessoas, que gera emprego e renda, que fica no Estado sob a forma de novos impostos, de pagamento de serviços como hotéis, restaurantes, transportes para as filmagens, por exemplo.  É um dinheiro que gira a economia através de uma indústria limpa, da economia criativa. É dinheiro que gera cultura.

Pernambuco tem hoje um edital anual consolidado de R$ 25 milhões através da suplementação, transformando-se em uma potência do setor, atraindo profissionais e empresas, resultando em ocupação do cinema pernambucano nas diversas salas, canais de televisão, nos principais festivais internacionais e nacionais, e mais: na ocupação do imaginário da população. Santa Catarina tem um PIB bem maior que o estado de Pernambuco, então a questão não é falta de dinheiro. Ressalto os aspectos econômicos pois, se a cultura não é uma prioridade, é bom saberem que geramos mais renda nacionalmente que as indústrias têxtil e farmacêutica e temos massa salarial maior que a do turismo; que em 2014 geramos mais renda que a venda de veículos automotivos – setores frequentemente subsidiados/incentivados por governos. Nossa luta agora é a publicação do edital de Florianópolis, cuja última edição foi em 2014, e para que incluam nas previsões orçamentárias de 2019 ações de fomento ao audiovisual. 

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– Qual é o seu próximo projeto dentro da Novelo?
Bem, além de não publicarem anualmente o edital, devem o pagamento da categoria de produção de longa-metragem do edital 2013/2014 justamente à Novelo Filmes, que é a minha produtora, e teve seu projeto contemplado como vencedor. São quatro anos de atraso em nossa carreira, pois mesmo que sigamos com curtas-metragens em diversas janelas como festivais de renome e canais de TV, ainda não temos nosso longa de ficção. Então, assim que nos pagarem esse pode ser nosso próximo projeto, que é um filme pautado pelo horror para falar de violência contra mulheres. E eu uso sujeito oculto porque a decisão de nos pagar e cumprir o edital passa por várias esferas administrativas mesmo, como a SOL, a FCC e a Fazenda.

Nosso outro longa de ficção engatilhado é o drama Casarão, em coprodução com a Haddock Filmes, produtora vencedora do Oscar pelo longa argentino O Segredo dos Seus Olhos, e produção associada da Cine Fertil, que atua na integração entre os cinemas latino-americanos e árabes através de estímulo a coproduções e festivais específicos.

Na parte brasileira do projeto temos como equipe principal a Ana Paula Mendes como produtora executiva, a Maria Augusta V. Nunes no roteiro e eu como co-roteirista, diretora e montadora. O filme será gravado principalmente no interior de Santa Catarina, na cidade de Irineópolis, no Casarão Domit. Já temos também distribuidora, que é a Vitrine Filmes. Ganhamos o edital de Coprodução entre Brasil e Argentina promovido pela Ancine e pelo Incaa e também ganhamos o prêmio de desenvolvimento do Programa Ibermedia. O projeto segue em captação de recursos. 

– Indique um livro, filme e série que te inspiram.
Vou indicar obras que vi recentemente, pois não tenho obras específicas que me inspiram, mas um monte delas (e todas misturadas)! Entre os livros, recentemente li Hibisco Roxo, da Chimamanda Ngozi Adichie, e me surpreendi com a escrita, tanto que não vejo a hora de ler o próximo dela. Agora estou lendo Filmar o que não se vê, do diretor chileno Patricio Guzmán, um dos grandes documentaristas do cinema mundial, que tem me inspirado para alguns projetos. Entre os filmes, o brasileiro As Boas Maneiras, que entrou em cartaz de forma muito tímida em Florianópolis, infelizmente. E, entre as séries, The Handmaid’s Tale e Atlanta, ambas na segunda temporada. Esses três fazem críticas sociais e culturais muito relevantes utilizando-se de elementos como terror, fantástico, distopia e do absurdo, o que realmente me fascina. 

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