Sempre esqueço de regar as plantas na sacada. Não à toa a primeira palmeira-ráfia que ganhei, morreu. Seca, coitada. Isso sem entrar no mérito dos temperinhos que não sobreviveram aos meus descuidados cotidianos. O manjericão, por exemplo, aguentou umas duas semanas — talvez. Mal deu pra fazer uma pizza de margherita. O orégano perdurou uns 21 dias, e olhe lá. A salsa nem deu tempo de contar. Isso porque em meio ao frenesi do dia a dia, entre trabalhos, viagens de ida e volta, e períodos reservados para alisar os gatos, as plantas sempre eram as renegadas da casa. Agora não são mais.

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Desde que o isolamento começou, algumas boas horas por dia passaram a sobrar. Prometi a mim mesmo que não ia esquecer as plantas da varanda. Passei a regá-las cuidadosamente. A samambaia, que ameaçava a predominância de um tom amarronzado, hoje está em um verde-bandeira intenso, vivo. Até uma orquídea que eu nem sabia que era uma orquídea (não me julguem, com aquelas folhas mais parecia que eu estava cultivando uma muda de um capim aleatório) floriu. E ainda há uns botões para abrir. Nem vou me gabar por ter mantido a babosa e a espada-de-são-jorge vivas, porque “não fiz mais do que a obrigação”, diria minha velha.

Desisti dos temperos, mas a sogra trouxe um vaso cheio de cebolinhas antes de a quarentena começar. E não é que até elas estão gostando da minha gentileza diária? Aliás, cheiro verde vem fazendo parte das refeições que eu e a digníssima estamos fazendo todos os dias. Tudo caseiro. Rita Lobo, se visse, teria orgulho das nossas cozinhas práticas. Não lembro de uma vez na vida em que fizemos tantos almoços e jantares como nesses 18 dias de distanciamento social. Até um tal de shakshuka, um prato tradicional do Oriente Médio, foi executado com sucesso. Uma grande evolução para quem mal sabia fazer miojo.

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A varanda, aliás, não é palco só da revolução das plantas nessas quase três semanas. Ela é um grande cinema da vida real. Ver a movimentação no mundo exterior é algo um tanto quanto estranho. Não que a vista para o Centro de Indaial seja a mais movimentada da história da humanidade, mas a pandemia fez com que qualquer alma viva caminhando na rua fosse passível de julgamento. “Tá fazendo o que aí, vivente?”. Quem diria. Chegou o dia em que os sedentários, de dentro de apartamentos, questionam os que tentam aproveitar os dias de céu de brigadeiro.

Ah, e a sacada não é só um cinema da vida real, mas também um anfiteatro improvisado. Em um desses dias de tédio, enquanto o silêncio predominava, de repente ouvimos o vizinho abastado do terraço do prédio ao lado tocar piano. A mulher de uma casa à frente, que fofocava algo no muro, parou, sentou-se, e olhou pra cima. No andar de baixo, uma moradora tentava espiar quem dedilhava Chopin enquanto o sol se punha atrás do Morro do Macaco. No meu prédio, alguém andares acima tenta puxar uma salva de palmas cada vez que uma música se acabava. E eu, na varanda, ao lado das plantas agora bem-cuidadas, abri uma lata de cerveja de R$ 1,69 pra tomar enquanto ele trocava Frédéric por Sergei Rachmaninoff.

Empolgada, ao fim da apresentação gratuita de piano, a vizinha de cima decidiu que todo mundo em volta deveria ouvir Queen. Chegou a mandar uma mensagem no zap do condomínio dizendo que estava Under Pressure, e que para aliviar as energias negativas do coronavírus, deixaria o som alto. Perguntou, no grupo, se alguém se incomodava. Se sim, ela iria baixar. Ninguém questionou e todos ouviram o álbum completo. Nesse mesmo aplicativo, em que antes havia apenas mensagens de reclamações quanto ao lixo, pessoas passaram a se preocupar uns com os outros.

Quando essa pandemia vai acabar, ainda não sabemos. Muita gente diz que sairemos diferentes desse contexto todo. Como? Também não temos conhecimento. Mas aqui no meu mundinho, algumas lições já começam a ser tiradas. E não só porque emagreci uns três quilos comendo menos besteiras e fast foods no dia a dia. As plantas na sacada, por exemplo, parecem ser uma analogia da existência humana pré-coronavírus: será que não há mais coisas debaixo dos nossos narizes e que devemos regar regularmente para que elas não se esvaiam lentamente das nossas vidas?

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