Para conseguir atender a alta demanda do mês de março pelas internações da Covid-19, um dos principais hospitais privados de Florianópolis dobrou a capacidade de oxigênio disponível aos pacientes. Localizado no Centro da Capital, o Baía Sul transformou diferentes espaços da sua estrutura, incluindo uma recepção, em leitos de UTI. Somente neste mês, de acordo com o diretor-presidente da unidade e médico, Sergio Marcondes Brincas, foram 1,5 mil casos confirmados da doença na hospital, quase um terço do que foi registrado em um ano de pandemia.

Continua depois da publicidade

Receba notícias de Florianópolis e região pelo WhatsApp

Em entrevista à coluna, na última sexta-feira (26), Brincas apontava para um melhora no quadro de internações durante a semana. Entretanto, destacou as dificuldades do atendimento aos casos de Covid-19 e alertou para a necessidade do comportamento das pessoas diante do avanço da doença.

– Você atender paciente Covid é diferente de atender o resto. O desgaste mental é gigantesco, o ambiente dentro de uma UTI Covid é pesado, ou você tem determinação ou não consegue conviver com ele. Nosso papel é ter determinação e o papel da sociedade é abrir mão de algumas coisas para que não abra mão do principal.

Hospital de Florianópolis atinge limite dos casos de Covid-19 e reduz atendimentos

Continua depois da publicidade

Leia abaixo em tópicos os principais trechos da entrevista com o diretor-presidente do Baía Sul:

Momento da Covid-19 no hospital

“Com certeza, essa onda que a gente teve agora de Covid é a maior que tivemos até então. Estranho porque ninguém mais achava que a gente ia viver algo tão grande como tem sido agora. Percebemos isso nas últimas semanas. Na semana retrasada a gente percebia que estávamos no topo, mas começava a haver um alívio. A gente começa a perceber uma diminuição de novos casos. Então tem menos pressão na emergência. Aí a gente começa, aos poucos, a liberar espaço no hospital. Mas isso é mais tardio, porque temos pacientes que entram e ficam 10, 20, 30, 40, 60 dias e aí vai. O esvaziamento é muito mais lento que a taxa de ocupação. Nesse momento a gente vê um alívio, mas ele oscila também. A restrição que foi feita e a mobilização da sociedade, a gente vê uma cidade mais calma, ajudou bastante. A gente continua trabalhando, mas diminuiu a festa. Isso também ajuda porque a atividade econômica primeiro, a festa depois. Infelizmente, a vida é assim. Melhoramos bastante a condição da cidade por essas atitudes de frear. Tenho muito medo de que volte a acontecer. Nós, seres humanos, somos assim. Quando alivia, a gente volta a mil. Então, tem que ter calma porque ainda não acabou. A gente não sabe o que acontecerá nas próximas fases. Não saberemos se o aliviar dessa onda será continuar com muitos casos e hospital cheio. Temos que manter significativo rigor, senão vamos viver o que tivemos no último mês de março, que foi o pior de todos”.

Hospital privado de Florianópolis tem o dobro de internados com Covid-19 em 12 dias

Aumento de capacidade

“Tivemos que transformar o hospital inteiro. Chegamos a mais ou menos 60 leitos de UTI e mais 60 leitos de internação. Diminuímos muito o espaço para outras doenças. Ficaram 17, 20 leitos, no máximo. E alguns deles foram ocupados também por doentes com Covid. Tivemos que ser extremamente criativos. Tínhamos uma UTI na emergência, transformamos uma área de recepção de pacientes numa UTI. Temos dois centros cirúrgicos, um virou UTI também. Nossa missão no momento é não deixar as pessoas morrerem de Covid. Então a gente ampliou muito. Transformamos quarto em leito de UTI. Exigiu, primeiro, muito equipamento. Nas últimas quatro semanas investimos pelo menos R$ 6 milhões, fora pessoas, EPI, dedicação… foi um investimento muito grande. Mas entendemos ser nossa obrigação.

Morre a empresária Annita Hoepcke da Silva, em Florianópolis

Situação de medicamentos

“É preocupante e pauta de discussão diária. Mas assim, desde o ano passado, fizemos um formato de aquisição calculando por demanda. Calculamos quanto cada paciente consumia e em cada fase quantos pacientes teria consumindo de acordo com esse contingenciamento. Então fizemos a compra provisionando essa cadeia de crescimento. Embora cresça muito rápido, temos provisionada a aquisição. Mas você vai receber paulatinamente. Temos protocolo de substituição. Se não tem medicamento A, usa o B. A gente desenhou quais são os protocolos de substituição, porque pode vir a faltar. Fizemos diversos provisionamentos de segurança, mas eles são administrados dia após dia. Todos dia a gente administra estoque para ter certeza que vai conseguir. Emprestamos para outros hospitais também”.

Quatro hospitais de Florianópolis relatam risco de falta de medicamentos para intubação

Mais avanço de estrutura

“Não, expandir agora… E tem uma coisa que acaba: equipe. Você não tem mais médico, enfermagem. Contratamos nos últimos dias mais de 70 funcionários, só que chega uma hora que não tem de onde tirar. E são pacientes graves, difíceis de lidar. Uma UTI com paciente com Covid é muito mais difícil de se lidar do que uma UTI normal, então com aquelas equipes já é extremamente difícil. Quando você vai diminuindo ainda o nível, pega pessoas com menos experiências, fica mais difícil ainda. Então não é nem capacidade física. Não adianta me trazer mais equipamento. Chegamos a 60 respiradores. Não tenho mais profissional para lidar com além disso. Começa a fazer uma desassistência. Tentamos evitar também. Levamos a um nível que você tem que optar ou por fechar a porta e deixar a pessoa sem acesso ao tratamento, ou dar acesso com máximo de capacidade, que as pessoas se desdobrem. Optamos por essa segunda linha, não fechamos a emergência. Não que estivesse fácil, estava muito difícil. Recebíamos doentes e às vezes não tinha muito o que fazer eles, mas a gente ia recebendo. É grave? Coloca aqui e a gente vai dar um jeito de tratar. É situação de guerra. Ninguém quer hospital de campanha, se faz ele porque é melhor do que não ter nada. É a mesma coisa que fizemos”.

Continua depois da publicidade

Previsão para abril

“Não podemos fazer, porque seria adivinhação. Mesmo que trabalhe com dados, não se consegue prever tudo que vai acontecer. O que a gente se preparou é para estar pronto para qualquer coisa. Estou um pouco preocupado com os feriados de outras regiões do país. A gente sabe que as pessoas agem naturalmente e vêm pra praia. Foi assim no ano passado, foi assim no começo desse ano. E o que a gente está pagando tem muita relação com isso. Tenho muito medo desse movimento de turistas. A doença vai se espalhar, então a única coisa que a gente tem que fazer é restringir esse tipo de coisa. Acho que a gente ainda vai ter muito caso, estamos preparados para conviver com essa doença muito tempo. Até que a gente tenha uma imunização por vacinas tão ampla que a gente consiga diminuir essa quantidade de casos. A nossa obrigação é estar preparado para mais um pico, dois picos, e o que vier. A sociedade tem que conviver com a possibilidade de voltar a ter doença e perdas. O que realmente interessa é quantas pessoas estão morrendo e quantas pessoas estamos perdendo. Temos entender que é uma loteria do azar, não da sorte. As pessoas não podem arriscar”.

Comportamento das pessoas e impacta no hospital

“A gente tem uma cultura que ela nos permite movimentos assertivos. Tivemos desmobilizações na sociedade que contribuíram. Quando se fala no achatamento da curva, que se falava no ano passado, não que ele resolveria o problema, mas te garanto que se a gente tivesse vivido em 2020, em março, o que vivemos esse ano, a tragédia seria muito pior, um desastre. A gente não sabia muito sobre a doença, não tinha respirador, não tinha medicação. Perdemos menos do que poderia ter perdido. Vejo que alguns momentos como esse, a cidade acalma. Quando isso acontece e as pessoas entendem o rigor do que está acontecendo a gente consegue continuar trabalhando, as escolas que estão preparadas conseguem trabalhar, levar as crianças para a escola. Imagina o que é uma geração ficar dois anos trancada, isso tem sequelas, eles estão na formação deles. Temos que ter muita lucidez e muita calma. A histeria é a pior coisa, assim como o radicalismo. Temos que conduzir com assertividade essas decisões”.

Situação dos pacientes

“O número de mortes realmente aumentou, e por duas razões. Primeiro porque a doença está realmente mais agressiva. Agora também aumentou o número de casos, então vão aumentar as mortes, é uma proporção direta. O que a gente viu é que temos mais casos hoje de doentes jovens, o que não quer dizer que não temos doentes idosos. Esses doentes idosos e com comorbidades estão morrendo ainda. A doença é muito grave para o idoso. Só que incluiu agora também o grupo mais jovem, que pode ser pela variante do vírus que seja mais agressiva, mas também porque as pessoas voltaram a fazer atividades que são mais comuns nos grupos jovens do que idosos, de ambientes familiares, de festas. São ambientes em que a pessoa não se protege. Naturalmente essa contaminação é maior. Temos um perfil de contaminação em jovens mais frequente do que a gente tinha antes”.

> Mapa Covid de SC hoje: veja em mapa e dados por cidade como está a situação da pandemia

> Calendário da vacina: veja dados da vacinação em cada município de SC no Monitor da Vacina

Envolvimento da sociedade

“A doença é uma doença da sociedade, que tem vínculo direto com o comportamento social. A responsabilidade de organizar ou tentar diminuir a velocidade de disseminação é da própria sociedade. Não é o governo, não é ninguém que vai te dizer. Como se dissemina a doença todo mundo já sabe, não precisa mais explicação. É uma questão de atitude. Saber dos jovens quem realmente tem complicação, a gente não sabe. Agora, idosos com comorbidades é certo, idosos é certo que correm riscos. Então evitar que essas pessoas se contaminem também é responsabilidade da sociedade. isso é responsabilidade das pessoas para que evite que os hospitais não consigam atender. O não conseguir atender dos hospitais é um reflexo direto do comportamento social. Não adianta você estruturar uma quantidade interminável de hospitais para que as pessoas possam viver naturalmente. As pessoas vão morrer. Se a gente viver normalmente como era antes, as pessoas vão morrer. E quem tem dúvida é só olhar aqui dentro. A nossa responsabilidade é dar o máximo de cada um para recuperar esses doentes, a responsabilidade da sociedade é de se comportar e evitar na sua atividade diária essa disseminação. O papel do governo é apenas organizar, porque ninguém vai impedir a disseminação do vírus, a não ser nós mesmos com atitude. Não tem outro jeito até que a gente termine a travessia”.

Continua depois da publicidade

Vacinação da Covid em SC: locais, fases de aplicação, idades e tudo sobre

Oxigênio

“Fizemos uma manobra para trocar todo nosso armazenamento de oxigênio. A gente abastecia uma vez por semana. Quando aumentou a taxa de ocupação passou a abastecer todos os dias. Para que a gente tivesse mais acapacidade e segurança, passamos uma madrugada trocando. Tiramos um tanque gigantesco e colocou outro com dobro da capacidade. Isso nos deu condições de, mesmo com dificuldade de fornecimento, você ganhar mais longevidade no teu estoque”.

Leia mais:

Governo de SC altera decreto com medidas restritivas; veja mudanças