Senadores governistas escolheram Rancho Queimado, em Santa Catarina, para defender a tese do tratamento precoce na CPI da Pandemia. Na última semana, tanto Jorginho Mello (PL-SC), como Luiz Carlos Heinze (Progressistas-RS), citaram dados do município para justificar um alegado sucesso no combate à pandemia. Os números oficiais do governo do Estado, porém, comprovam que não há nenhuma diferença entre Rancho Queimado – que registrou duas mortes por Covid-19 – e outras cidades catarinenses do mesmo porte, como a coluna mostrou em março deste ano. Além disso, há três municípios do Estado que ainda não registraram óbitos, sendo um deles com porte semelhante ao da cidade da Grande Florianópolis.
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Rancho Queimado: dados oficiais desmentem tratamento precoce e número de mortos por Covid
Heinze e Jorginho foram os mais ativos na defesa do município de SC, mas coube ao senador as alegações mais enfáticas. Ele chegou a apresentar uma “pesquisa” com cidades brasileiras que usaram o tratamento precoce. Em uma das manifestações, chegou a dizer que Rancho Queimado fica no Rio Grande do Sul. O senador gaúcho chamou o trabalho catarinense de “extraordinariamente positivo”.
Na última semana, durante depoimento à CPI da Pandemia, o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi questionado por Heinze sobre os resultados de Rancho Queimado. Como resposta, ouviu: “acho louvável procurar, mas acho importante submeter e discutir, porque assim que é feito. Não tem como a gente falar: eu torço por “a” ou por “b”. Para mim, uma substância “a”, “b” ou “c”, desde que ela se imponha…”.
Por fim, Mandetta ironizou: “As academias da Europa, dos Estados Unidos, Nova York, Califórnia, todo mundo quer, todo mundo está procurando. Que Rancho Queimado tenha descoberto a fórmula e ela se imponha, espero que sim”.
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Checagem sobre Rancho Queimado
Os colegas do portal Gaúcha ZH checaram na última semana as declarações do senador Heinze durante a CPI. Uma delas é justamente sobre Rancho Queimado. A reportagem ouviu o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Ele afirmou que o quantitativos de casos registrados no município, que era de 392 naquele dia, a taxa de letalidade local está dentro dos padrões corriqueiros na pandemia.
Hallal disse à Gaúcha ZH: “Com esse quantitativo de casos, é esperado que morram justamente de duas a três pessoas, de acordo com as estatísticas que temos. A letalidade estimada da covid, considerando o número de pessoas que pegam o vírus e quantas morrem, é abaixo de 1%. Não tem nada de pior ou de melhor em Rancho Queimado do que no resto do mundo. É uma letalidade esperada”.
Tratamento precoce
Em janeiro, médicos de SC que atuam na linha de frente no combate à Covid-19 relataram complicações causadas pelos remédios incluídos nos kits de tratamento precoce. Os problemas incluíram agravamento de quadros cardíacos, pancreatites e piora na evolução da Covid-19 por imunossupressão. A crença dos pacientes na eficácia do protocolo também reduziu o acompanhamento, o que, na avaliação dos médicos, favorece o surgimento de quadros mais graves da doença.
O portal Aos Fatos, que faz checagens sobre informações que circulam em redes sociais, analisou o cenário de Rancho Queimado e também contestou as informações divulgadas pela prefeitura. Ao mesmo tempo, averiguou que “é enganoso afirmar que uma combinação de seis medicamentos seja eficaz na cura da Covid-19, como fazem postagens que circulam nas redes sociais”. A verificação ocorreu para um coquetel de hidroxicloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina, vitamina D e zinco.
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O site cita a OMS (Organização Mundial da Saúde), que publicou em 1º de março uma metanálise, revisão de seis estudos clínicos que contaram com 6059 participantes, que concluíram que a hidroxicloroquina teve um efeito muito pequeno ou nenhum efeito na prevenção, internação hospitalar e mortalidade por Covid-19. Segundo a entidade, a hidroxicloroquina não deve continuar como uma prioridade de pesquisa e os recursos devem ser direcionados para avaliar outras substâncias mais promissoras.
Fabricante contesta eficácia da Ivermectina contra Covid-19
A farmacêutica estadunidense Merck Sharp&Dohme (MSD), responsável pela fabricação da ivermectina, publicou um comunicado em 4 de fevereiro afirmando que os dados disponíveis não apontam a eficácia do medicamento contra a Covid-19. “Não acreditamos que os dados disponíveis sustentem a segurança e a eficácia da ivermectina além das doses e dos grupos indicados nas informações de prescrição aprovadas por agências regulatórias”, diz o comunicado.
A Merck Sharp&Dohme também destacou no comunicado que a ivermectina segue sendo recomendada contra a estrongiloidíase e a oncocercose — as duas doenças são provocadas por parasitas. Segundo a farmacêutica, os cientistas “continuam a examinar cuidadosamente as descobertas de todos os estudos disponíveis”.
No mesmo sentido, a Apsen, fabricante da hidroxicloroquina, respondeu à Repórter Brasil, que seu trabalho é pautado pela ciência: “Atualmente, com base nas últimas evidências científicas, a Apsen recomenda a utilização da hidroxicloroquina apenas nas indicações previstas em bulas, as quais são aprovadas pela Anvisa”, afirmou.
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