As investigações do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC) que deram origem à Operação Mensageiro apontam para uma suspeita de desvios milionários na prefeitura de Lages. Segundo detalhes inseridos na decisão judicial do STJ, que negou a liberdade para o ex-secretário de Meio Ambiente da cidade da Serra Catarinense Eroni Delfes Rodrigues, a propina paga pela empresa Serrana Engenharia nos últimos dois anos ao prefeito afastado e preso preventivamente, Antonio Ceron (PSD), e aos secretários municipais foi de, ao menos, R$ 2 milhões nos serviços de lixo e iluminação pública. O Propinoduto do Lixo está sendo considerado o maior esquema de corrupção da história de Santa Catarina.
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Operação Mensageiro: secretário preso tem liberdade negada pelo STJ
Em um dos trechos da decisão assinada pelo desembargador designado ao STJ e relator da Mensageiro, Jesuíno Rissato, ele destaca informações que foram usadas pela desembargadora Cinthia Bittencourt Schaefer, no TJ-SC, para decidir pela prisão dos investigados na segunda fase da operação, no começo de fevereiro. Rissato cita que, “no caso de Antonio Ceron, somente em um único contrato, haveria sido negociado um “bônus” de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) por parte do Grupo Serrana, caso não tivesse havido percalços legais no certame público”.
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A desembargadora Cinthia Bittencourt Schaefer também afirmou que “há elementos de que considerável parcela dos R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) mensais pagos à título de propina estariam indo para o alcaide, efetivamente, e não passando de meras promessas de vantagem indevida como poder ter sido, ao que consta, o ‘bônus’”. O que também foi destacado pela decisão que autorizou as prisões na segunda fase é que o secretário Delfes e o secretário de Administração e Fazenda, Antônio César Arruda, mesmo após as buscas e apreensões feitas na prefeitura na primeira fase, em dezembro de 2022, continuavam trabalhando nas mesmas pastas. Durante a primeira fase da operação, segundo a desembargadora, foram encontradas “consideráveis provas indiciárias de ilícitos, como até mesmo envelope com propina (escrito por contadora do Grupo Serrana)”.
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O Judiciário, ao autorizar as prisões e buscas contra o prefeito e secretários em fevereiro, questionou o processo licitatório para contratação de coleta de lixo em Lages. Mesmo após questionamentos da Procuradoria Jurídica da prefeitura, ele seguia em andamento:” Aparentemente, os procuradores jurídicos do município tem apontado a necessidade de realização de abertura de processo licitatório, ao passo que permanecem os supostos corruptores continuando os contratos em que, em tese, recebem uma mesada de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)”.
A decisão ainda frisa: “No ponto, há inclusive contemporaneidade no recebimento de propina, levando em consideração que os investigados Ceron, Delfes e Arruda teriam recebido um adiantamento de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) em setembro de 2022, referente à seis meses, devido à desconfiança de que estavam sendo investigados”.
Licitação superfaturada
Ao analisar o pagamento que, em tese, teria continuado, a desembargadora afirma: “O excesso de ganância, em tese, é tão inacreditável, que os envolvidos, ao terem desconfiança de que estavam sendo investigados, optaram por adiantar o recebimento de propinas futuras, ao invés de cessarem a conduta delitiva”. Assim, após a primeira fase da Mensageiro, que foi em 6 de dezembro de 2022, teria ocorrido a retomada da licitação do lixo em Lages, quando o secretário Delfes deu parecer favorável e Arruda decidiu pelo recomeço do edital com a desclassificação de todos os concorrentes, menos do grupo Serrana: “Inacreditavelmente, o Grupo Serrana foi então declarado vencedor em 12 de janeiro de 2023, em serviços que ultrapassam os R$ 14.000.000,00 (quatorze milhões de reais)”.
No despacho, a desembargadora traz mais valores à tona: “Repisa-se que somente em um contrato, o Grupo Serrana logrou-se vencedor após a desclassificação de todos os concorrentes, em sobrepreço de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais)”.
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Lages entre os pilares
A descrição dos valores faz com que a desembargadora afirme que Lages “é um dos pilares do que é apontado como o maior esquema de corrupção de Santa Catarina”. Ela acrescenta no despacho: “Somente nos últimos dois anos, Arruda, Delfes e Ceron teriam recebido, em tese, ao menos R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) de propina oriunda do grupo empresarial Serrana, através dos contratos de lixo e iluminação pública da cidade de Lages”.
Para a magistrada, “no caso de Lages aparenta haver uma verdadeira estrutura hierárquica criminosa por parte de Arruda, Delfes, e dos já presos Milton e Jurandir, para tentar blindar a figura de Antonio Ceron, o qual aparentemente é o mentor e grande recebedor da propina dos contratos do grupo Serrana envoltos de serviços de lixo e iluminação pública”.
Para destacar a necessidade das prisões, Cinthia Bittencourt Schaefer também traz números sobre a situação da saúde em Lages e afirma que pessoas estão na fila de espera por procedimentos médicos: “Enquanto isso, Antonio Ceron, Antonio Cesar Alves de Arruda e Eroni Delfes Rodrigues (Além de Milton Matias e Jurandir Agustini), em tese, recebem milhões de reais de propina e permitem que o Grupo Serrana (que inclusive começou em Lages), lucre outros tantos milhões de reais com sobrepreço de contratos públicos, como o caso de um único certame em que o aparente superfaturamento é de inacreditáveis R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), após a desclassificação de todos os concorrentes do grupo corruptor”.
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Em relação ao pagamento da propina, ela usa informações do MP-SC que afirma que ele “em tese, seria feito por pessoa oriunda de outro estado da federação, sem utilizar celulares no deslocamento, com troca de veículos, hospedagem em cidades vizinhas, encontro em rodovias e muitas outras formas de atuação que não impossíveis de serem impedidas que não por meio de um decreto constritivo”.
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Contrapontos
A defesa de Antonio Ceron, prefeito de Lages afastado e preso preventivamente, diz que o “processo corre em sigilo. A defesa respeita o Judiciário e não comenta supostos vazamentos”. A defesa da Serrana Engenharia afirma que os advogados não podem se manifestar por conta do sigilo. Os advogados de Eroni Delfes Rodrigues e Antônio César Arruda também disseram que não podem se manifestar pelo segredo do processo.
Também citado na decisão e investigado, Jurandi Agustini, ex-secretário em Lages, disse através dos advogados que “o assunto da Operação Mensageiro é sigilo nível 5, ou seja, deve ser tratado entre a magistrada, o MP e as partes, por seus advogados”. Eles ainda completam que “o Sr. Jurandi se declara inocente e responderá apenas no processo a todos os fatos que referenciam o nome dele”.
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