Duas novas delações premiadas feitas dentro da Operação Hemorragia, que é a segunda fase da Operação Alcatraz, apontam para um esquema milionário de corrupção envolvendo contratos da área da saúde do governo do Estado. As empresárias Irene Minikovski Hahn e Paula Bianca Minikovski Coelho assinaram um acordo com o Ministério Público Federal (MPF) no qual detalham desvios que teriam sido feitos dentro do contrato assinado entre a secretaria de Estado da Saúde, em 2011, para a operação do SC Saúde, o plano de saúde dos servidores estaduais. Na prática, os depoimentos confirmam o que já havia dito o empresário Jaime de Paula, primeiro delator da Hemorragia e responsável por denunciar fraudes em contratos da secretaria de Saúde.
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A delação de Irene e Paula resume um repasse milionário de propina a agentes públicos e políticos. O esquema, segundo elas, consistiria no superfaturamento do contrato de operação do SC Saúde. O valor superfaturado seria, então, dividido entre pessoas com altos cargos no governo e indicados por eles. Irene contou, por exemplo, que a um dos agentes públicos teriam sido repassados R$ 6,9 milhões entre 2013 e 2017, tudo através de empresas de fachada que emitiam notas de serviços falsos para “esquentar” o valor.
O início da fraude do plano de saúde dos servidores
Tudo teria começado no início de 2011, segundo Irene. À época, ela trabalhava para um plano de saúde privado que era o responsável por gerir o SC Saúde. No entanto, o contrato passou a ter problemas porque a empresa privada pedia reajustes e o Estado negava por falta de recursos.
Naquela época, então, Irene teria se reunido pela primeira vez com um dos agentes públicos envolvidos no esquema, que atuava na secretaria de Administração. O encontro ocorreu na sede do Centro Administrativo, na SC-401. Nele, Irene teria explicado como se dava a operacionalização de um plano de saúde, além de mostrar qual seria o melhor modelo de gestão para o Estado e o que era possível e necessário para que o governo conseguisse criar e gerir diretamente o Plano SC Saúde.
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Eles teriam voltado a ser encontrar outra vez para que Irene apresentasse o formato ideal. Meses depois, segundo a delatora, o agente do Estado a teria convocado para outra reunião. Nela, Irene diz que o então gestor teria afirmado que um edital havia sido lançado pelo Estado, mas nenhum interessado tinha aparecido. Ele teria pedido ajuda para ajustes no edital e afirmou que uma empresa estaria interessada na licitação. Segundo Irene, a promessa do agente foi de que esta empresa vencesse a licitação, ele a indicaria para atuar junto.
Ainda em 2011, Irene foi nomeada para ser chefe de gabinete da secretaria de Saúde. Em pararelo, ela teria sido procurada novamente pela pessoa que atuava na secretaria de Administração. O convite feito a Irene foi para que ela participasse da licitação do plano de Saúde, o que a empresária aceitou com a montagem de empresas específicas para a prestação dos serviços. A mais conhecida delas era a Qualirede.
Nas negociações, teria ficado definido, nas palavras de Irene, que: “o edital da licitação seria elaborado de modo a favorecer o consórcio composto pela minha empresa, pois, segundo eles (agentes públicos ocupantes de cargo comissionado que atuavam na secretaria de Administração), seria temerário que uma empresa ‘aventureira’ assumisse um contrato com tamanha complexidade. Nesse momento não foi solicitada nenhuma vantagem indevida”.
Assim, a licitação teria sido desenhada com uma particularidade a ser seguida que somente o consórcio liderado por Irene teria condições de vencer, o que acabou ocorrendo posteriormente, mesmo depois de questionamentos no Judiciário e no TCE.
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Propina definida
O primeiro ato para a confirmação do pagamento de propina teria ocorrido numa conversa entre Irene e um dos cargos comissionados da secretaria de Administração. Segundo a empresário, ele “solicitou o pagamento de vantagens indevidas, correspondentes a um percentual do contrato que viria a ser firmado com o Governo”.
Segundo ele, o valor se destinaria para complementação “por fora” dos salários dos funcionários da secretaria, bem como para seu partido político. Posteriormente, as negociações avançaram, e eles começaram a falar em valores conforme o preço “por vida” do contrato do plano de saúde: “apresentei a ele um levantamento detalhado no valor de R$ 19,30 por vida, que representava o preço real da prestação do serviço, com o lucro normal de uma operação dessa, sem qualquer superfaturamento”.
O agente comissionado do Estado, teria feito o cálculo “da vantagem indevida que deveria ser paga e lançou o edital estabelecendo como teto o valor de R$ 22,08 por vida, que já incluía os 10% de propina e uma margem de negociação”.
Irene dá detalhes de como foi a licitação. Ela diz que “no primeiro momento do pregão, as empresas que participavam da licitação compareceram ao auditório da Secretaria de Administração, localizado no térreo, para entrega de suas propostas e execução das amostras”.
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A proposta que foi entregue em nome do Consórcio Santa Catarina, inclusive a documentação que a acompanhou, foi feita praticamente inteira por dois indicados pelo cargo comissionado da secretaria de Administração que teria organizado o esquema de corrupção. O valor constante da proposta era exatamente o teto estabelecido no edital.
Por fim, o valor definido em contrato ficou em R$ 21,44 por vida, que correspondia ao orçamento apresentado por Irene mais 10%. O pagamento da primeira parte da propina teria ocorrido antes mesmo da assinatura do contrato, em junho de 2011. O comissionado da Administração teria pedido R$ 100 mil para uma das pessoas que montou o edital fraudado.
Rotina de propina
Depois disso, o pagamento da propina passou a ser constante. Em agosto de 2011, o comissionado da Administração teria procurado a empresário para cobrar que fosse dado início aos pagamentos dos “valores indevidos acordados que se destinariam a diversos agentes políticos”. Segundo a empresária, ele teria falado que os valores iriam para “parceiros” que não foram nomeados num primeiro momento no governo. Com o passar do tempo, Irene também teria sido informada, pelo mesmo comissionado, que outros três agentes públicos e políticos seriam os beneficiários da propina.
Para operacionalizar os pagamentos, as empresas mantidas por Irene contratariam serviços falsos de diferentes empresas montadas por indicados dos envolvidos no esquema. Ela cita um exemplo: “Em 01.12.2011, foi firmado contrato fictício com tal empresa, tendo sido realizados 48 pagamentos entre dezembro de 2011 e dezembro de 2015, no total aproximado de R$ 16.700.000”.
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Em fevereiro de 2012, o cargo comissionado da Administração que iniciou o esquema teria chamado Irene na secretaria para pedir o aumento do valor da propina. Ela teria negado, mas foi pressionada e decidiu ceder. Os valores de repasse, ao todo, foram de R$ 6,4 milhões, com uma média de R$ 160 mil por mês.
A entrega dos valores
O dinheiro seria repassado de diferentes formas. Uma delas era justamente a criação de contratos fictícios para a prestação de serviços inexistentes. Além disso, também havia o pagamento de dinheiro em espécie. Eles ocorreriam em diversos ambientes, incluindo a própria sede do governo do Estado, na SC-401, imóveis particulares e um shopping da Capital catarinense.
A empresária Paula Bianca, que é irmã de Irene, fala que levava o dinheiro até a secretaria de Administração dentro de um envelope em uma mochila. Segundo ela, o principal agente público do esquema agiria para evitar gravações:” (ele) tinha como hábito colocar a televisão no volume alto para que não houvesse risco de eu estar gravando a conversa”.
Repasses a diferentes agentes políticos
Um das pessoas de alto escalão no governo também era beneficiada pela propina, conforme Irene e Paula. Um assessor do político ficava como responsável por receber os valores e repassá-los. O dinheiro seria entregue em espécie.
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Já para outro agente político que não integrava o governo do Estado, a propina teria sido paga através de contratos falsos de uma empresa de tecnologia feitos junto a um indicado por ele. Os pagamentos, ao todo, teria sido de R$ 7,8 milhões entre 2012 e 2017.
Diminuição dos repasses
Irene e Paula contam que tentaram diminuir os repasses de propina depois que a Receita Federal encontrou irregularidades nos contratos das empresas usadas para superfaturar o contrato. No entanto, um dos políticos de alto escalão no Estado teria ficado insatisfeito com a decisão. Apesar da revolta, as empresário reduziram os valores.
O contrato da SC Saúde com o consórcio liderado pela empresas de Irene e Paula se encerrou em 2016, quando elas venceram novamente a licitação do mesmo serviço. Com isso, os pagamentos de propina seguiram até março de 2019, de acordo com elas. Mesmo com a mudança de governo, os mesmos agentes públicos se beneficiariam, sendo que eles não ocupavam mais cargos na estrutura do Estado.
Propina a diferentes agentes públicos
Além de agentes de alto escalão, pessoas que ocupavam cargo de menor expressão dentro do governo também teriam sido beneficiadas. Algumas delas atuavam na secretaria de Saúde do Estado. Os valores eram menores, e em alguns casos as empresários dizem nos depoimentos que se sensibilizaram com a situação econômica dos envolvidos.
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Num dos casos, Irene conta os detalhes: “ofereci a ele (agente público da Saúde) uma ajuda mensal, que começou com o pagamento das mensalidades do carro dele, que foram durante fevereiro de 2012 até dezembro de 2013, (sic) o valor não me recordo ao certo, mas era por volta de R$ 10.000,00 (dez mil reais), depois, em janeiro de 2014 virou 15 mil reais por mês e perdurou até dezembro de 2015”. Os encontros se davam mensalmente e ocorreram entre dezembro de 2017 até março de 2019, poucos meses antes da deflagração da 1ª fase da Operação Alcatraz, conforme elementos de corroboração.
Pouco antes da Alcatraz
Como descrito pelas empresárias, os pagamentos de propina teriam ido até março de 2019. Dois meses depois, a Polícia Federal deflagrou a primeira fase da operação Alcatraz, que desmantelou parte do esquema. No caso do contrato envolvendo o SC Saúde, a PF passou a investigar o caso na sequência, fazendo a operação Hemorragia, que é a segunda fase da Alcatraz, em janeiro de 2021.
Situação da operação Hemorragia
Conforme publicou a colega Dagmara Spautz, o STJ decidiu que a operação deve tramitar na Justiça Estadual e não mais na Federal. Os advogados dos envolvidos e procuradores do MPF ainda aguardam um posicionamento da juíza Janaína Cassol Machado sobre o tamanho do impacto da decisão que vem da Brasília.
No caso da delação, uma avaliação de bastidor é de que os impactos no Judiciário devem ocorrer de qualquer forma diante das informações prestadas pelo empresários em relação a diferentes contratos envolvendo o governo do Estado.
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