Em despacho de 36 páginas, o juiz da Vara Criminal da Região Metropolitana da Comarca da Capital, Elleston Lissandro Canali, autorizou a prisão de quatro pessoas nesta quarta-feira (29). Também foram autorizadas nove buscas e apreensões, sendo cinco em endereços dos presos e outros quatro relacionados a pessoas distintas, também investigadas.

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A decisão partiu de um pedido feito pela Diretoria Estadual de Investigações Criminais (DEIC), que apura supostos crimes de fraude à licitação, corrupção passiva, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro, emissão de notas ficais frias e organização criminosa que teriam ocorrido dentro da secretaria municipal de Turismo, Cultura e Esporte da prefeitura de Florianópolis.

Segunda fase da Operação Presságio prende ex-secretário de Florianópolis e mais três pessoas

Os presos foram: Ed Pereira, ex-secretário de Turismo, Cultura e Esporte de Florianópolis; Renê Justino, ex-cargo comissionado da prefeitura da Capital; Cleber José Ferreira, contador; e Lucas da Rosa Fagundes, também ex-cargo comissionado do município. Além deles, outras três pessoas também estão sendo investigadas dentro do mesmo caso. Conforme o despacho de Canali, a Polícia Civil ainda não concluiu a análise de todo o material recolhido na primeira fase da operação, em 2023.

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Entretanto, nos dados extraídos do aparelho celular de Renê Justino,” e por conta das evidências já extraídas, verificou-se que, possivelmente desde o ano de 2022, RENE (Renê é o operador financeiro da suposta organização criminosa instalada na Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Esporte de Florianópolis, a qual era comandada pelo investigado EDMILSON CARLOS PEREIRA JÚNIOR (Ed Pereira).

O primeiro caso citado diz respeito à contratação de uma empresa para a instalação de estruturas metálicas na “cidade do samba” de Florianópolis. O contrato poderia ser renovado por até cinco anos, e alcançar o valor de R$ 5.750.000,00. De acordo com os investigadores, Ed teria arquitetado uma fraude à licitação para o favorecimento da empresa vencedora. No dia 23 de novembro do ano passado, o ex-secretário teria enviado uma mensagem com dois orçamentos para Renê. Um deles feito pela empresa que seria beneficiada e outra por uma empresa sediada em Palhoça, com valor superior.

Depois, Ed teria enviado um áudio, no qual o interlocutor, que foi identificado como sócio da empresa a ser beneficiada, passava orientações como deveria ser elaborado o termo de referência do processo licitatório. No dia seguinta, o ex-secretário cobrou, conforme os investigadores, que Renê atuasse com mais agilidade para o termo de referência, exatamente nos moldes determinados. Outros orçamentos foram apresentados, e a empresa a ser beneficiada foi a contratada no valor anual de R$ 980.000,00, prorrogáveis por cinco anos.

Eventos esportivos

Depois disso, os investigadores relatam irregularidades no patrocínio concedido pela secretaria municipal de Esportes, Cultura e Lazer a uma evento de corrida de rua. No dia 22 de março de 2023, o dono da empresa promotora do evento teria encaminhado uma mensagem para Renê contando que, após uma reunião com Ed, acordaram que o empresário pagaria valores mensais a Renê até a formalização de sua nomeação em algum cargo junto à Prefeitura Municipal de Florianópolis.

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Ao que consta, segundo a Polícia Civil, “houve a solicitação, por parte de EDMILSON”, para que o empresário repassasse valores indevidos a Renê. Depois disso, os valores teriam sido repassados pelo empresário ao assessor de Ed, conforme combinado. Em abril de 2023, Renê foi nomeado para ser diretor de projetos e políticas culturais da Fundação Franklin Cascaes, na prefeitura, com salário líquido de R$ 5.600,00. Já em maio do mesmo ano, o empresário responsável pelo evento de corridas manda uma mensagem para o então diretora da Franklin Cascaes perguntando de Ed já havia debatido com ele sobre o incentivo financeiro de R$ 200 mil da secretaria para a realização de uma corrida na Capital.

Depois de alguns dias de negociações, em 2 de junho de 2023, foi publicado no Diário Oficial de Florianópolis, o extrato da Inexigibilidade de licitação para o apoio de R$ 130 mil ao evento pretendido pelo empresário.

Demais presos

No despacho do juiz responsável pelo caso, também são descritas as suspeitas contra os demais investigados presos. Os investigadores dizem se detectou a participação de “outros membros da
organização criminosa”, sendo eles, Cleber José Ferreira e Lucas da Rosa Fagundes. Segundo o inquérito, Ed usaria a conta de Lucas da Rosa Fagundes e outro investigado que teve mandado de busca contra ele “com o objetivo de quebrar a cadeia de evidências sobre a origem do dinheiro, dificultando o rastreamento dos recursos obtidos ilicitamente”.

Parte dos recursos iria para a conta da esposa de Ed, segundo a apuração. Ao longo do despacho, o magistrado descreve movimentos financeiros que teriam ocorrido envolvendo outras pessoas investigadas. A Polícia Civil diz que os relatórios de inteligência financeira também demonstraram uma grande incompatibilidade das movimentações bancárias realizadas por um dos investigados em relação à remuneração do cargo em comissão que ocupava. Em 11 anos, ele teria movimentado R$ 194.701,96, enquanto seu salário era de R$ 2.765,00.

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Em relação a Lucas da Rosa, que era gerente de projetos da Fundação Municipal de Esportes, identificou-se que ele também era coordenador de núcleos de uma associação beneficiada por recursos públicos em diversos projetos. Os investigadores descrevem, no pedido à Justiça, exemplos de movimentos financeiros feitos por Lucas da Rosa, que apontariam para irregularidades.

Já Cleber José Ferreira é citado por ser contador que desempenharia um “papel de articulador e operador, semelhante ao desempenhado por Renê, podendo ser considerado o braço direito de Renê, no desvio das verbas que deveriam ser aplicadas integralmente nos projetos sociais”. Os investigadores seguem: “Consoante a investigação, CLEBER era o responsável por angariar ‘laranjas’ para emissão de notas fiscais para prestação de contas dos projetos que eles denominam como ‘nossos'”. Para corroborar esta tese, a Deic descreve situações em que as irregularidades teriam sido cometidas com a participação do contador.

Todos os atos descritos acima teriam ocorrido entre 2022 e 2023.

Conclusão do juiz

Ao decidir pelas prisões, Canali diz: “Trata-se, sem dúvida, de um complexo esquema de desvio de verbas públicas, arquitetado pelos referidos investigados, que passaram a agir de forma coordenada no intuito de auferirem vantagens pessoais às custas do erário municipal, verbas estas que deveriam ser aplicadas integralmente em projetos sociais de responsabilidade da citada Secretaria de governo”.

Ele segue: “Analisando o contexto investigativo e as mensagens trocadas, percebe-se que o investigado EDMILSON CARLOS PEREIRA JÚNIOR, na condição de Secretário Municipal e, portanto, de sujeito ao qual foi conferida a maior autoridade (excetuado o próprio Alcaide) no âmbito da Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Esporte de Florianópolis, sendo detentor de elevado poder político e de mando, vinha exercendo liderança sobre os demais investigados, sendo eles RENÊ RAUL JUSTINO, CLEBER JOSÉ FERREIRA e LUCAS DA ROSA FAGUNDES, os quais agiam ordenadamente, cada qual se responsabilizando por etapas distintas da cadeia criminal, de modo a, juntos, alcançarem o objetivo comum de locupletamento em detrimento dos cofres públicos”.

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Além disso, está descrita pelo juiz uma situação em que Renê pede ajuda a Cleber para indicar uma pessoa que pudesse fazer um assalto “sem tiro” contra alguém estaria querendo atrapalhar o suposto esquema do grupo. Para o magistrado, “essa passagem evidencia o empenho e periculosidade do grupo criminoso, eis que seus membros estavam dispostos a atentarem contra a integridade física de outras pessoas para garantirem que não ocorreria nenhuma interferência ou delação que colocasse sob risco o lucrativo esquema de propinas que vinham praticando na Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Esporte de Florianópolis”.

Portanto, no entendimento do juiz, ao autorizar as prisões: ” Busca-se, em verdade, preservar a ordem pública acautelando o meio social contra recidivas do grupo criminoso, inclusive porque, ao que tudo indica, foi descortinado um esquema continuado altamente lucrativo e até sofisticado, tornando-se absolutamente necessário que se interrompa o ímpeto dos ora investigados pelo desvio ou recebimento indevido de verbas públicas, inclusive daqueles particulares também partícipes e beneficiários das fraudes licitatórias e decorrentes vantagens indevidas. Nesse cenário, a medida extrema exsurge como único remédio processual capaz de sustar os efeitos dos crimes que vinham sendo perpetrados, preservando-se a higidez e a normalidade do serviço público”.

Ele ainda assinala: “Ademais, ficou claro que o grupo criminoso se valia de expedientes visando não só burlar os sistemas de controle da Prefeitura Municipal de Florianópolis como também de coação moral contra servidores que ousassem interferir no esquema de desvio de verbas públicas, sendo conveniente a prisão preventiva para a instrução criminal, a fim de preservar provas contra eventual investiga dos investigados”.

Contraponto

Em parceria com a produção da NSC TV, a coluna procurou as defesas dos quatro presos. O advogado Francisco Ferreira, que defende Renê Justino e Cleber José Ferreira, diz que estava na audiência de custódia e que se manifestaria após a sessão.

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A defesa de Lucas da Rosa Fagundes não foi localizada. No processo, ele é defendido por Zenilda Eduvirgem Cardoso. Já o advogado de Ed Pereira encaminhou uma nota:

NOTA OFICIAL

Acompanhei meu cliente hoje de manhã no interrogatório na DEIC. Como ainda não tivemos acesso ao inquérito, ele optou por permanecer calado, não para exercer o direito constitucional, mas sim porque pretende prestar todos os esclarecimentos a partir do momento em que ele conhecer o conteúdo de toda a investigação.

Eu terei acesso ao decreto de prisão somente à tarde, de modo que até lá não terei como me manifestar acerca dos fundamentos pelos quais o juiz entendeu agora decretar a prisão de uma pessoa primária, sem antecedentes, que estava colaborando com as investigações e sempre esteve à disposição da Justiça.

Claudio Gastão da Rosa Filho