Primeira delatora da operação Alcatraz, a advogada Michelle Guerra prestou depoimento para procuradores e delegados federais em 16 de dezembro de 2019 com detalhes sobre sua relação com o ex-secretário adjunto de Administração do Estado, Nelson Castello Branco Nappi Junior, que continua preso. Ambos eram sócios de um escritório de advocacia na Avenida Rio Branco, no Centro de Florianópolis, até 30 de maio do ano passado, quando a Polícia Federal (PF) desencadeou a ação contra uma suposta organização criminosa que atuaria, principalmente, dentro da secretaria. A NSC teve acesso com exclusividade aos quase 36 minutos de perguntas e respostas do 16 de dezembro.

Continua depois da publicidade

A empresa dos dois levava o nome de Michelle Guerra Advocacia. Oficialmente, além do trabalho dos advogados, prestaria serviços de consultorias. A PF, entretanto, aponta que tudo não passava de uma fachada para a emissão de notas frias usadas para "regularizar" o dinheiro oriundo de propinas vindas de contratos da secretaria de Administração. Em seu depoimento, a advogada diz que isso ocorria.

Ela fechou um acordo de delação com o Ministério Público Federal (MPF) que prevê redução da pena para prisão domiciliar com progressão de regime diante do uso de tornozeleira eletrônica. Em troca disso, deu o depoimento sobre as duas ações penais a que responde na Justiça Federal dentro da operação. Ela se comprometeu em dar detalhes sobre a organização criminosa, além de explicar a estrutura do grupo. Michelle está solta desde o começo de junho de 2019.

O depoimento

Participam do depoimento os procuradores federais Alisson Nelício Cirilo Campos e Mário Sérgio Ghannagé Barbosa, integrantes da força-tarefa da Alcatraz no MPF, e os delegados da PF, Edgard Butze Grüdtner, Rodrigo Silva Muller. Michelle é acompanhada pelo seu advogado, Francisco Hayashi. Durante a fala da ré, o defensor faz apenas uma intervenção para complementar uma das informações.

Os procuradores questionam ela sobre carros comprados por Nelson que estavam no nome do escritório de advocacia. Michelle confessou, por exemplo, que um dos veículos foi comprado com propina "através de esquemas envolvendo a secretaria de Administração". Segundo ela, o escritório não fazia serviços de advocacia. O único atendimento desde 2015, quando a empresa foi reaberta, teria sido feito pelo próprio Nelson a um familiar.

Continua depois da publicidade

— O escritório não tinha clientes verdadeiros, ele estava sendo usado somente para emissão de notas frias, para recebimento de propina — disse a delatora ao explicar o motivo de ter enviado uma mensagem ao ex-secretário demonstrando receio em uma operação.

Nenhum dos carros comprados por Nelson, afirmou, foram usados pelo escritório, apesar de estarem no nome dele. A maioria dos veículos era de luxo.

Compra de prédio e loja da esposa de Nappi

O depoimento da advogada ainda tem foco em outras compras feitas pelo ex-secretário nos últimos anos. Uma delas é a sala comercial usada para o escritório, na Avenida Rio Branco. O espaço era alugado, segundo Michelle, mas depois Nelson resolveu comprá-lo por R$ 290 mil. Ela diz que os recursos para a aquisição não foram obtidos licitamente. A demora para a regularização da compra do imóvel teria ocorrido justamente porque o ex-secretário não tinha financeiramente como justificar a propriedade.

Michelle ainda falou sobre uma loja de propriedade de Cristiane Rios Nappi, esposa de Nelson. Segundo ela, uma das formas de "legalizar" o dinheiro que o secretário teria era simulação de vendas de produtos da loja. O dinheiro seria entregue para Cristiane, que providenciaria a entrada no caixa.

Continua depois da publicidade

Contraponto

A coluna ouviu o advogado de defesa de Nelson e Cristiane Nappi, Leonardo Pereima. Sobre os carros e o suposto uso de propina para as compras, o defensor que as aquisições foram feitas com rendimento lícito dele como advogado e funcionário público, além do rendimento da esposa, assim como a sala onde funcionava o escritório de advocacia que ele mantinha como Michelle Guerra.

Em relação à loja, Pereima afirma que o espaço funcionava regularmente e descarta os relatos da advogada.O defensor nega o crime de lavagem de dinheiro, mas admite que Nelson cometeu o erro de atuar como advogado enquanto cargo público, o que o estatuto da OAB não permite. Porém, Pereima diz que isso deve ser apurado pela entidade.

— Todas as notas emitidas corresponderam a serviços de consultoria ou prestação de serviços para clientes. Não houve emissão de notas frias, muito menos recebimento de propina.

O advogado do casal Nappi classificou o depoimento como "extremamente genérico" e sem descrição do que teria ocorrido. Segundo ele, os relatos "não correspondem com a verdade".

Continua depois da publicidade