Deflagrada na última sexta-feira (15), a nova fase das investigações contra a suspeita de liberação de obras irregulares sob pagamento de propina na prefeitura de Florianópolis foi autorizado pelo juiz Elleston Lissandro Canali, da Vara Criminal da Região Metropolitana da Comarca da Capital. O despacho, ao qual a coluna teve acesso, é de 5 de setembro, 10 dias antes do cumprimento das medidas autorizadas. No documento, ele determina a prisão do servidor Felipe Pereira, que atuava na Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram) e chegou a ser gerente de fiscalização do órgão até o final de 2022, além de buscas e apreensões contra a esposa dele e outro servidor e também em órgãos da prefeitura.
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O despacho descreve, em ordem cronológica, os fatos que estão sendo investigados. No pedido dos mandados, a Diretoria Estadual de Investigações Criminais (DEIC), através da Delegacia de Combate à Corrupção (Decor), detalha as provas juntadas até agora. De acordo com a decisão, o inquérito foi aberto para apurar denúncias “dando conta de que servidores da Prefeitura de Florianópolis, em especial vinculados à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano – SMDU e à Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis – FLORAM, estariam exigindo de particulares valores indevidos, em razão de suas funções públicas, relacionadas aos trabalhos de fiscalização de obras”.
O esquema criminoso, de acordo com o juiz, foi delatado por um engenheiro do ramo da construção civil, ligado à prestação de serviços de consultoria para viabilizar, administrativamente, a regularização de obras de engenharia no município de Florianópolis. O engenheiro revelou o suposto esquema criminoso e forneceu o nome de dois servidores públicos que cobrariam a propina, bem como o nome de três empreiteiros que estariam realizando esse pagamento periodicamente.
Os dois agentes públicos destinatários da propina paga pelos empresários e empreiteiros da cidade seriam Felipe Pereira, que ocupava o cargo de Chefe de Fiscalização na Floram, e Nei João da Silva, que ocupava o cargo de Diretor de Fiscalização na SMDU. Nos depoimentos, um empresário investigado disse que o modus operandi utilizado pelos investigados aconteceria assim: eles esperavam as obras atingirem avançado estado de construção para, só então, cobrar a vantagem em dinheiro dos responsáveis pelos imóveis, sob pena de demolição.
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No final de novembro de 2022, a Deic fez os primeiros pedidos de mandados de busca, que foram cumpridos no começo de dezembro, na primeira fase. Logo em seguida, no dia 12 de dezembro, os investigadores pediram outros mandados, sendo três de prisão e 11 de busca e apreensão. De acordo com o pedido, “foram identificados três núcleos distintos no esquema criminoso investigado: agentes públicos, construtores, e agentes políticos, sendo que em referidos autos se cuidaria apenas das investigações do núcleo dos agentes públicos”. Logo após a primeira fase da operação, dois construtores passaram a ajudar a polícia com informações, o que baseou o segundo pedido.
No entanto, eles não chegaram a ser cumpridos por que em 26 de janeiro deste ano, a Deic pediu a suspensão do pedido que havia sido protocolado para as três prisões e 11 mandados de buscas para “progredir nos atos de investigação e angariar mais elementos informativos aptos a individualizar as condutas dos investigados”.
VEJA ABAIXO TRECHOS DA DECISÃO (O texto segue depois da galeria):
Assim, as investigações continuaram até que fosse feito o novo pedido que a autorização concedida em 5 de setembro. Neste despacho, o juiz descreve que o servidor Felipe Pereira “também recebia pagamentos por meio da conta bancária de sua esposa”. Em depoimentos, um dos construtores que pagava propina e passou a colaborar com as investigações, afirmou que “a presença semanal de construtores na sede da SMDU não está atrelada a busca de informações, mas ao pagamento de propinas”.
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Ele descreveu: “Em regra, o acertos eram realizados nas sextas-feiras – na sede do órgão municipal. Relata
que posteriormente o modus operandi atrelado ao pagamento de valores foi alterado, sendo FELIPE PEREIRA o responsável pelo recolhimento dos valores”. Após a primeira demolição, o construtor que colabora com as investigações e seu sócio foram ao escritório do chefe de fiscalização Nei João, na prefeitura. Os investigadores descrevem o que disse o empresário: “Relata que antes de adentrar no escritório foi necessário deixar os telefones celulares guardados em uma gaveta no corredor. Na ocasião o depoente teria sido apresentado ao engenheiro da prefeitura (não recorda o nome) e ao advogado da prefeitura FERNANDO”.
O despacho segue: “Em diálogo com os servidores supramencionados estes alegavam ‘que ali estariam os três poderes: quem aprovava, quem assinava e quem demolia’. No caso, o Engenheiro aprovava a demolição, o Assistente Jurídico assinava a autorizava a demolição e o Chefe de Fiscalização demolia. Tratam-se, respectivamente, de RODRIGO DJARMA ASSUNÇÃO (engenheiro), FERNANDO BERTHIER DA SILVA (assistente jurídico) e NEI JOÃO DA SILVA (chefe de fiscalização). Portanto, face o contexto apresentado, se houvesse ‘entendimento’ (pagamento de propina), enquanto o alvará estivesse em trânsito o depoente estaria protegido – não haveria fiscalização/demolição.”
Nos depoimentos levantados pela Deic, há apontamentos de diferentes construtores sobre pagamentos de propinas. Um deles fala em valores entre R$ 15 mil e R$ 20 mil para a construção de cada apartamento no Sul da Ilha. Em outro caso, os agentes descrevem que “após a primeira demolição, o servidor público FELIPE PEREIRA entrou em contato” com um construtor “para informar que seria possível proceder regularização da obra caso realizasse o pagamento de 160 mil reais – propina”. E segue: “Ao ser questionado” pelo empresário “sobre quanto já teria sido pago (valores) à FELIPE PEREIRA, menciona que aproximadamente 450 mil reais em dinheiro”.
Também pesou na decisão o vídeo levado por um dos construtores em que aparece Felipe Pereira recebendo propina deste próprio empresário. Os valores são entregues dentro de uma casa.
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Motivos
Para o juiz responsável pelo caso, “a prisão cautelar de um dos principais envolvidos no esquema criminoso tem o condão de preservar a futura e provável instrução criminal contra indevida influência no ânimo de depor de testemunhas que já prestaram esclarecimentos no curso da investigação e também de outras que porventura sejam identificadas e chamadas a colaborar com a busca da verdade real”.
Exonerados
Na última sexta-feira, o prefeito Topazio Neto exonerou dois cargos de confiança da secretaria de Desenvolvimento Urbano citados nas investigações. Um deles é Rodrigo Djarma Assunção, secretário adjunto da pasta, que é o cargo número 2 da secretaria. O outro é o consultor jurídico Fernando Berthier da Silva. As demissões ocorreram por conta das investigações, conforme apurado por este colunista. A coluna procurou por ambos na manhã deste domingo, e somente Fernando Berthier respondeu.
Em nota, ele se manifestou:
“Firmo que fiquei surpreso com a citação de meu nome em fatos inverídicos, os quais por consequência refuto em sua integralidade. Afirmo com tranquilidade que no desempenho da função de assessor jurídico na Prefeitura, sempre emiti pareceres opinativos, destituído da autonomia de decidir, e, sobretudo, firmados nos moldes da legislação pertinente. Destaco que me coloco à disposição para contribuir com rigor para a investigação no que me for cabível. Por fim, serão tomadas as medidas legais cabíveis contra quem falsamente e baseado em interesses escusos imputou-me tal fato sem qualquer prova”.
Contrapontos
A coluna não localizou a defesa Nei João da Silva, servidor também investigado. Já a prefeitura de Florianópolis diz que no começo de 2023 fez mudanças na estrutura de fiscalização com a reforma administrativa. Assim, separou-se a estrutura de fiscalização da estrutura que emite os alvarás para construção. A ideia é, conforme a prefeitura, dificultar eventuais cobranças e pagamentos de propina.
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A defesa de Felipe Pereira emitiu nota através de Eduardo Herculano, advogado do servidor. O defensor afirma que “o próprio magistrado do caso advertiu que a decisão prolatada não antecipa a formação da culpa e tampouco denota responsabilidade dos envolvidos”. Ele conclui o texto: “O Escritório Herculano Advogados acredita nas instituições e será através delas que se provará a verdade, com o respeito ao contraditório, ampla defesa e, mais, em respeito ao devido processo legal”.