Fazia tempo que a Seleção Brasileira de futebol passava espercebida para a maioria da população. Para muitos, apenas de quatro em quatro anos era relevante acompanhar os jogos por causa da Copa do Mundo. Parte desse público, aliás, somente o fazia porque no Brasil tornou-se tradição “parar as máquinas” em dia de jogo. Lembro dos meus tempos de infância em que nem aula tinha quando os jogadores entravam em campo na Copa. Era mobilização de verdade. O pessoal pintava o rosto, colocava a camisa amarela e estendia a bandeira na janela.
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Crônica de domingo: O quadro da sociedade brasileira é irreversível
Com o passar do anos, depois do penta de 2002, o clima começou a mudar. As derrotas foram distraindo a atenção. Vieram ainda as denúncias de corrupção dentro da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), e o olhar antes apaixonado do torcedor deu lugar a uma desconfiança capaz de desmobilizar. Nas Copas de 2006, 2010, 2014 (principalmente) e 2018, o ritmo da paixão só diminuiu.
Crônica de domingo: A epidemia do barulho
Veio, então, um período de protestos contra o governo Dilma Rousseff, em 2014. A amarelinha passou a ser usada por manifestantes como símbolo, o que gerou uma divisão e até aversão à camisa antes adorada pelos torcedores brasileiros. Em campo os insucessos continuaram. Teve 7 a 1 dentro de casa e eliminação na Rússia. E a Seleção caía em popularidade.
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Crônica de domingo: “O nascimento de uma mãe”
O episódio mais recente envolvendo a falta de disposição dos jogadores em disputar a Copa América recolocou o time no centro das atenções do brasileiros. Mas não como unanimidade, e sim para dividir opiniões. A Seleção que historicamente foi usada por governantes para melhorar o clima político agora causa descontentamento no Palácio do Planalto ao reagir a uma intenção do presidente Jair Bolsonaro de trazer um campeonato para o Brasil.
Crônica de domingo: A aceitação da mentira
Em meio à pandemia, o governo federal quer ver futebol em campo através dos seus melhores jogadores para mostrar que o país segue em frente. O problema é que o Brasil ainda não consegue seguir em frente. Basta olhar para as 2 mil mortes diárias por Covid-19. Como bem sabemos, esse número está longe de assustar Bolsonaro e seus apoiadores. O que importa a eles é que os sinais sejam de retomada.
A reação dos jogadores e do técnico Tite gerou uma onda de “#ForaTite”. Os bolsonaristas também pedem que outros sejam convocados no lugar dos que não têm a intenção de disputar a Copa América. Refutam a resistência dos atletas e querem obediência ao presidente da República.
Mas, afinal, a quem pertence a Seleção? Essa pergunta será claramente respondida nos próximos dias quando atletas, comissão técnica e a presidência CBF escolherem um caminho. Caso baixem a cabeça à intenção do governo federal, estarão condicionados todos eles à vontade política histórica de demonstrar um otimismo vergonhoso em momentos delicados. Do contrário, poderão simbolizar uma reaproximação à população brasileira.
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