Meu primeiro presente da escola de João Pedro foram os pés dele pintados em uma tela branca. JP está com um ano e três meses. Começou a ir para a creche há pouco tempo. Dentro daqueles pézinhos, as professoras desenharam cores de super-heróis. Sou forte como Hulk, acrobata como o Homem-Aranha, corajoso como o Batman e rápido como o Super-Man. Pelo menos é o que diz a tela que agora está na cabeceira da minha cama…

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Mas, se realmente eu for um super-herói, espero que meu filho se lembre de atributos mais simples. Que guarde os momentos singelos para lembrar-se do quanto o sentimento é genuíno. Espero que João Pedro se recorde das noites no meu colo caminhando pela casa para fazê-lo dormir. Dos nossos banhos juntos com os brinquedos, da escovação de dente na pia e da escova de cabelo que dividimos. Dos nossos passeios sozinhos enquanto a mamãe cuida dela também. Das nossas risadas em família por motivos bobos. Dos momentos em que ele deita no meu peito junto com ursos de pelúcia. De quando peço para a Alexa tocar uma música e ele já sorri para depois dançar.

Em todos eles não uso uma habilidade digna de super-herói, mas vivo aqueles momentos intensamente. Entrego meu melhor sorriso, meu abraço mais apertado, minha canção de ninar mais carinhosa. Transmito ali justamente o que não se mede, apenas se sente. Talvez esteja aí o meu superpoder. Talvez seja isso que nos torna tão especiais.

Percebi neste primeiro ano e três meses o quanto nos cobramos pelo “diferente”. Nos exigimos pelo superpoder ficcional, enquanto tudo o que JP precisa é aquilo que está justamente ao meu alcance. Nenhum pai precisa “inventar a roda”. Brincar com a roda do carrinho já é o suficiente para arrancar um sorriso. Exemplo disso é uma das gargalhadas mais espontâneas de JP. Ele sorri aos montes quando nos vê simular um espirro. E depois o repete para nos ver sorrir também.

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Um pai super-herói não precisa de superpoderes de ficção. Basta o amor, basta o carinho. Para muitos filhos, a simples presença já seria um superpoder do seu pai. Quem dera todos a tivessem, e a ausência não fosse uma das principais vilãs reais de uma sociedade como a nossa. Para combatê-la, mais uma vez repito: basta o singelo.

Estar junto e amar não depende de efeitos especiais. Depende única e exclusivamente do querer e do sentir. JP pode ter certeza que serei sempre o seu super-herói. Sem capa e nem armadura, mas com os sentimentos capazes de sentir-se protegido como se eu fosse um daqueles dos filmes.

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