Nas lembranças mais remotas está a imagem da minha mãe contando sobre o seu Fusca azul roubado. Não recordo dos detalhes, e sempre me esqueço de perguntá-la sobre isso, mas basta enxergarmos um carro igual na rua para que volte a falar sobre o assunto, tanto que meses atrás meu filho ganhou dela uma pequena réplica do Fusca. Como até o momento João Pedro ainda não consegue brincar com o carrinho sem que algumas peças sejam arrancadas, resolvi colocá-lo na estante atrás do meu cenário de home office.
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Foi questão de uma ou duas participações na TV para o Fusca azul se popularizar. Recebo mensagens nas redes sociais, pessoas me abordam na rua, os motoristas de aplicativo perguntam sobre a réplica. Não imaginava que os fuscas mexem tanto com as pessoas. Passei a entender quem se reúne nos bolsões da Beira-Mar norte aos domingos com seus possantes.
Percebi ainda mais esse sentimento quando o segundo chegou à estante. Veio de um amigo, vizinho do bairro. Assim como os outros espectadores, ele se identificou com a miniatura e me ofereceu logo outros três carrinhos, sendo duas caminhonetes e um Fusca branco para fazer companhia ao azul.
Para aumentar a frota, João Pedro ganhou mais um de um presente dos meus pais recentemente, só que agora amarelo. Logo ele estará ali atrás de mim para fazer companhia aos outros dois. E assim vai se formando uma coleção, ainda pequena, mas cheia de significados pela “herança” familiar que o Fusca representa.
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Além daquele que foi roubado da minha mãe, meu pai teve outros dois nos últimos anos, ambos já vendidos. Um deles até cheguei a dirigir, o que pode ter contribuído para que o sentimento familiar de apego pelo modelo se estendesse, algo que deve acontecer também para João Pedro, até porque as influências são dobradas: a minha sogra também teve um “besouro”. Ou seja: é Fusca de tudo é que lado.
Assim como certas coisas são difíceis de explicar, a ligação com o modelo também desisto de tentar entender. Mas o fato é que aos poucos, mesmo que insconscientemente, o pequeno besouro já é parte da família. A relação vai passando de geração para geração, seja na forma original ou em miniaturas.
Mais do que réplicas na estante, os pequenos azul, branco e amarelo são a síntese de uma herança sentimental, a melhor delas. Não se trata de “patrimônio” ou um “bem”. O que ficam são as boas lembranças, o sentimento de carinho de avós com um neto, a reciprocidade do filho com os pais. Nada supera esse tipo de relação. Pode parecer pequeno para muita gente, mas tem a força do motor e a beleza de um Fusca.
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