Sou otimista por natureza. Prefiro, como dizem os “coaches”, enxergar o lado cheio do copo. Fui um daqueles que acreditou na conclusão utópica da pandemia: “sairemos pessoas melhores quando tudo isso acabar”. Tudo aquilo que acontecia antes, poderia ser diferente. A sociedade brasileira, ao passar por tanta dor, conseguiria aprender. Mas era ilusão. Há meses, como num tabuleiro de dominó, as peças foram caindo uma a uma, derrubando qualquer expectativa. Teve gente que roubou dinheiro de respiradores, alguns menosprezaram mortes. Invadiram hospitais e até abriram túmulo para questionar diagnósticos. Agora apareceram também os que estão furando a fila da vacina.
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São situações que nos fazem questionar: há como ter esperança diante disso? A gente tenta. Vamos lá olhar para o lado cheio outra vez. A solidariedade nunca esteve tão presente como antes. Aprendemos a abrir mão de nossas rotinas para nos proteger e assim proteger os outros. Até fomos para a janela aplaudir profissionais de saúde, antes ignorados. Portanto, haveria motivos para não desistir. Mas, ultimamente, me bateu a sensação de que não reverteremos o cenário. O diagnóstico está cada vez mais claro. A sociedade brasileira faliu.
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Uma triste expressão veio à tona nas notícias do ator Paulo Gustavo e do prefeito de São Paulo, Bruno Covas. Para os dois, boletins dos hospitais constataram que o quadro era irreversível. Em situações como essa, médicos não enxergam mais formas de aplicação de medidas terapêuticas eficazes. Dentro das opções disponíveis, nenhuma se mostra suficiente para mudar o quadro do paciente.
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O que você está fazendo da sua vida?
Ao trazer isso para a realidade da sociedade brasileira, é como se aplicássemos doses diárias na tentativa de reverter o cenário. Mas ele não muda. Até mesmo no caso de Paulo Gustavo e Bruno Covas enxergamos uma demonstração da nossa falência. Houve quem relativizou os casos e ignorou a dor. Por mais otimistas que possamos ser, não há como manter o lado cheio em evidência.
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A pandemia, diferentemente do que eu pensava lá atrás, só nos fez enxergar o tamanho do problema. Entramos num caminho sem volta. Nem a morte acumulada diariamente nos fez enxergar formas de mudar. Vivemos uma crise eterna de corrupção e do tão aclamado “jeitinho brasileiro”. Sempre há alguém tentando se beneficiar ou tripudiar da dor alheia, e para isso não há solução. É a nossa pandemia enraizada. Nesse caso, infelizmente, a constatação é de que nosso quadro como sociedade é irreversível.