Criou-se no Brasil recentemente uma nova condição. Quase como um status social ou um clube, surgiu a alcunha do “cidadão de bem”. Volta e meia o termo surge por aí, geralmente da boca de uma pessoa que se acha integrante dessa descrição. Quando ouço alguém se qualificando dessa forma, já me surge o primeiro sinal de alerta. Como assim “cidadão de bem”? O que condiciona alguém a ser um cidadão de bem? Quem atesta se a pessoa é realmente “de bem”? São tantas perguntas que, pra mim, fica difícil imaginar onde o indivíduo quer se encaixar.

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Talvez exista nisso uma tentativa de se desvincular dos cidadãos do mal. Mas, outra vez, quem seriam os cidadãos do mal? O bandido, o político corrupto? Precisaríamos discutir exatamente quem é do bem e do mal, e se dentro dessa classe dos cidadãos de bem não há muitos infiltrados que são mal. Aliás, arrisco aqui afirmar que há bastante gente tentando mostrar uma condição, mas na prática exerce outra.

Basta enxergar o discurso completo do cidadão de bem. Ele começa se vangloriando da posição para depois atacar. E ataca de verdade. A pessoa que faria o bem passa a praticar o ódio. Interessante, hein? Ele passa a ser o cidadão hipócrita. Mas isso não parece ser problema, o importante é o selo.

A nova casta brasileira defende a família, a igreja e as armas. Fica até fácil identificá-los. Saem às ruas enrolados na bandeira do Brasil, ou a estendem na sacada de casa. Poderíamos achar que aquilo é um sinal de amor ao país. Seria lindo, hein? Então tente conversar alguns minutos com o dono da bandeira. Não precisa mais do que isso para vir o primeiro “eu, cidadão de bem” acompanhado de um ataque ao vizinho que pensa diferente.

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Até procurei na internet se já não vendem adesivos com a alcunha do novo grupo brasileiro. Felizmente, não encontrei. Deve ser por isso que no lugar dos cartazes e adesivos o pessoal resolveu usar a bandeira do Brasil. Sob o manto do patriotismo, criou-se uma divisão no país entre os que supostamente são os fieis à bandeira. Como adversários, estão aqueles que discordam do posicionamento político ou dos ideais patrióticos – se é que eles realmente são coerentes – dos cidadãos de bem.

O melhor seria, obviamente, se os travestidos de patriotas com ideais no mínimo questionáveis fizessem o que realmente se espera de uma boa pessoa. Sem divisão, sem ataque, sem ódio. A bandeira é muito mais do que proteção para discursos antidemocráticos e autoritários. Ela deveria ser sinal de união, coerência e fortalecimento do país e não símbolo de um país rachado. Mais uma incoerência da nova casta brasileira.

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