Parece que esqueci algo no planejamento. Desde que o médico examinou meu joelho e sentenciou uma cirurgia para recuperar o menisco e o ligamento cruzado anterior, comecei a me preparar para resolver a questão o quanto antes. Organizei trabalho, período de férias que logo viria, afazeres domésticos, apoio da família. Tudo estava nos planos. E lá fui eu para um procedimento rápido e certeiro feito pelo doutor Bruno Xavier. Tudo ocorria dentro do previsto, tanto pela equipe médica quanto por mim, quando comecei a perceber algo que não estava nas minhas preocupações.

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Foi ao chegar em casa, logo nos primeiros minutos. A simples cirurgia consertou meu joelho direito machucado na tradicional pelada de terça-feira, mas me tirou a… independência. É, eu não havia pensado nisso, confesso. Com duas muletas e uma perna limitada, a gente vira dependente para todas as situações. Seja uma ida ao banheiro ou uma saída de casa, nada mais conseguimos fazer sem a ajuda de alguém.

Ainda tentava me conformar com a nova situação quando fui à fisioterapia e ouvi a história de uma pessoa que havia lesionado os dois braços. Por um tempo, ela ficou sem poder usar as mãos. Comecei a fazer exercícios mentais e comparar situações, além de lembrar do valor de uma independência.

Aí veio mais um choque de realidade. No dia seguinte, uma seguidora, que é cadeirante, me respondeu nas redes sociais quando reclamei da falta de atenção com as pessoas que têm dificuldade de locomoção nas cidades. Com as muletas, senti na pele os obstáculos diários impostos a deficientes e alguns idosos. A seguidora, entretanto, me puxou a orelha para lembrar que, infelizmente, as pessoas sem deficiência só se atentam para as questões estruturais que as atingem quando estão fragilizadas na locomoção, como é o meu caso.

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E ela está certa, obviamente. Quem dera se fossem automáticos os cuidados com quem depende de um mínimo de estrutura adequada para fazer rotinas comuns. Aprendi nestes últimos dias uma lição sobre independência e, ao mesmo tempo, outra sobre empatia. As minhas muletas aos poucos saem de cena e a minha dependência diminui, mas isso não me tira a responsabilidade de ajudar a proporcionar uma vida menos pesada para quem tem alguma dificuldade de locomoção.

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