Costumo dizer que não há um lado bom da pandemia. Melhor seria mesmo se ela não existisse, sem sombra de dúvidas. O que tento enxergar no meio de tanta dor e mudanças de vida é o que fica de lição. Sem falar aqui das questões científicas e a comprovação de que não existe milagre para salvar vidas, a pandemia nos evidenciou que há formas mais fáceis e seguras de fazer as coisas. Algumas práticas ressuscitadas ou criadas pelos cuidados sanitários me fazem pensar no quanto podíamos evoluir.

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Nesta semana fiz viagens de avião pela primeira vez desde o começo das restrições. Confesso que fui ao aeroporto preocupado. Separei a melhor máscara, mirei os pontos de álcool em gel, respeitei tudo o que vinha de orientação dos comissários de bordo. Mas, mesmo diante de toda a preocupação, me surpreendi positivamente com algumas situações. A primeira delas foi na saída do voo.

Estava acostumado com aquela tradicional aglomeração do pessoal ansioso em pé assim que o avião desligava as turbinas. Era aquele barulho de cintos sendo retirados e os passageiros se levantando como se quisessem fugir do avião. Parece que só esqueciam que as portas ainda precisavam ser abertas.

Com a pandemia, criou-se o protocolo de saída por fileiras. Achei sensacional. Fiquei me perguntando como não pensaram nisso antes. Talvez por que fosse óbvio demais. Até achei mais rápido fazer dessa forma, além de uma organização muito mais visível. 

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Foi bem diferente do que vi, porém, na entrada dos aviões. Teve fila, teve gente aglomerada. A ansiedade que dentro do avião para sair começou a ser controlada acabou ficando para a entrada com as pessoas esquecendo que há lugar pra todo mundo. Ninguém vai ser deixado, basta estar no portão na hora certa.

Essa diferença no comportamento da entrada e saída dos aviões resume aquela velha máxima de que “vamos sair melhores da pandemia”. Tudo levava a crer que sim, bastava que a gente fizesse o óbvio. Mas não conseguimos porque muitos preferem encontrar atalhos ou se abraçar aos velhos hábitos. É mais cômodo, então seguimos sem aproveitar a oportunidade de mudança. E, neste caso, trata-se de uma oportunidade daquelas indesejadas, o que a torna ainda mais crucial.

Sairemos da pandemia diferentes, isso é evidente. Só que ficará por escolha de cada um decidir se vai ser como estamos fazendo na entrada ou na saída do avião. Enquanto um grupo vai manter a rotina por egoísmo, outros vão segurar a ansiedade para evoluir em sociedade.

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