Há uma praxe no jornalismo para os textos sobre mortes, seja de anônimos, seja de famosos. Além de descrever o fato, costumamos falar sobre quem fica entre familiares e amigos. É uma forma de humanizar e contrar um pouco mais sobre a pessoa que partiu, muita vezes repentinamente. Na maioria das histórias, ficam mães, pais, companheiros, companheiras, tios, tias, primos, primas… Mas também ficam filhos ou filhas, a parte mais dolorida de escrever sobre qualquer família órfã de um ente querido.

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Desde a trágica sexta-feira, 5 de novembro, não me sai da cabeça a frase constantemente dita ou escrita pelos colegas jornalistas: “Marília Mendonça deixa o filho Léo”. Entre tantas dores que o acidente com um das maiores artistas do Brasil trouxe, essa é uma das que menos consigo assimilar. Certamente a paternidade me aflorou esse sentimento, mas não me passa pela cabeça uma forma de entender a partida repentina de uma mãe ou de um pai. Não há nem como dimensionar o tamanho dessa ausência.

Léo fará dois anos em dezembro, e certamente Marília pensava em uma linda festa para o pequeno. Como também planejava algo para os três, quatro, cinco, 15, 18, 20, 30, 40… Na cabeça de uma mãe ou de um pai, a gente projeta cada dia pela frente sempre com carinho e o melhor a oferecer. Léo, sem dúvida alguma, tinha isso de Marília.

Só que um acidente, como se fosse um estalo de dedos na trajetória desenhada, mudou todo o planejamento. Acabou repentinamente com uma ascensão musical sem precedentes, retirou de cena uma protagonista do empoderamento feminino, interrompeu uma história que tinha apenas os capítulos iniciais. Mais do que isso, deixou Léo sem a sua mãe.

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Caberá ao tempo assentar a dor do dia 5 de novembro, mas ele não será capaz de substituir o papel de Marília para o pequeno. Léo saberá, de uma forma ou outra, a importância de quem o colocou no mundo. Ele verá que ela revolucinou a música, impactou uma sociedade e transformou vidas. Contudo, certamente, tudo o que ele pedirá lá na frente é que Marilia estivesse presente para contar cada passo pessoalmente.

O pedido de Léo será legítimo e genuíno. Nenhum filho com tanta vida pela frente merece ficar sem seus pais, essa é uma dor que não se explica, nem se dimensiona. Um roteiro escrito dessa forma nos coloca sob a certeza de que o importante é o agora. Fica claro também que o destino saber ser cruel, e disso não podemos fugir. A triste partida de Marília ensina a viver intensamente, seja no abraço de bom dia ou na brincadeira com os carrinhos. Nos basta deixar o amor a todo instante porque isso ninguém esquece.

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