São comuns aqueles exercícios de memória em que trazemos à tona o que acontecia na nossa vida quando determinadas coisas ocorreram. Lembro de algumas coisas, como a morte de Ayrton Senna e minha mãe na cozinha quando cheguei para contá-la do que havia presenciado instantes antes na TV. No ataque às Torres Gêmeas, chegava em casa da escola quando a mesma televisão contava o que havia ocorrido minutos antes. Todas lembranças marcadas por um fato simbólico.
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Comecei a fazer este mesmo exercício recentemente ao lembrar daquele início de março de 2020. Espalharam-se as notícias de um vírus mortal com impactos ainda sem precedentes. Mas, bem sabemos, a gente só entende o tamanho das coisas quando elas chegam perto da gente. Por isso é que praticamente ninguém deixou de viver naqueles primeiros dias do último mês do verão.
Estávamos planejando o nascimento de João Pedro, a casa ainda precisava de alguns ajustes, os exames finais estavam todos marcados. Treinava três vezes por semana para uma meia-maratona, as rotinas eram bem ajustadas, os planos ocorriam conforme o desenho. Aí veio aquele 17 de março de 2020, e tudo mudou. Quase nada saiu como o previsto.
Agora, dois anos depois, prefiro fazer outro exercício: o que nos tornamos. Para muita gente, a pandemia destruiu famílias. Foram mais de 655 mil. Sofremos, choramos, mudamos hábitos. Não há outra forma de chegar a estes dois anos que não seja com uma visão totalmente diferente de vida. Quem nada aprendeu desde lá, perdeu aquela que talvez seja a principal oportunidade da nossa geração.
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E aqui não trato de usar máscara, de praticamente hidratar as mãos com álcool em geral ou de ficar em casa para evitar a proliferação de um vírus. Trata-se de empatia. A pandemia nos ensinou que nada adianta planejar e criar planos mirabolantes se o imprevisível não nos permite executá-los. Por mais organizados que possamos ser, a mudança de rota é obrigatória.
Diante disso tudo resolvi mudar a visão sobre o antes e o depois. Sem lamentações pelo passado planejado e não confirmado. O melhor a se fazer, imagino, é viver com o que nos tornamos. Nada voltará, mas ainda temos tempo para concretizar o que sonhamos até aquele março de dois anos atrás.
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